ENTREVISTA POR GABRIELA VALENTE
Rio de Janeiro – Lucca, de 03 a 09 de Agosto de 2010
“O período do ‘boom literário’, que durou mais ou menos de 1974 a 1978, foi o verdadeiro ‘milagre brasileiro’, a primeira e única vez em que a ‘alta’ literatura foi ao mesmo tempo difundida e influente no Brasil”
A realização desta entrevista me possibilitou reencontrar Julio Monteiro Martins e seus escritos, que me acompanharam durante o ano de 2006, passado na Itália, no âmbito de um intercâmbio entre a UFRJ e a Università per Stranieri di Siena.
Julio foi um escritor muito ativo no circuito nacional na década de setenta que, após alguns anos de ostracismo, saiu do Brasil. Atualmente é um intelectual profundamente inserido na Itália, um escritor que publica regularmente em língua italiana e edita uma revista online sobre literatura, Sagarana.
Cheguei à obra de Julio através do professor Andrea Lombardi, que conhecia e simpatizava com a problemática dos escritores emigrados que escreviam em língua italiana: psicanálise, fronteiras, exílio e migração deveriam perpassar minha leitura da obra de Julio. Li tudo o que ele tinha publicado em italiano, entrei em contato com ele e, na companhia de Juliana Cassidy, fui conhecê-lo. Depois de um almoço na praça de Lucca, seguimos até a casa de Julio, para uma conversa de cerca de três horas. Ele falava com alguns “intercalar” extremamente italianados e dizia que acontecia muito pouco de falar de sua produção para brasileiros. “Eu fui exilado, nós não devemos ter medo das palavras”. Lembro bem dessa frase.
Voltando ao Brasil, a obra do período italiano de Julio se tornou tema de minha pesquisa de Iniciação Científica. Independente do que o escritor acreditava haver acontecido em sua vida privada, eu sentia que sua obra não guardava aquelas questões, então discutia, durante as sessões de orientação, se a problemática interessava à literatura.
Numa intuição dialética que depois eu entenderia melhor, aproximei a obra de Julio da poesia da italiana Patrizia Cavalli. A obra de Patrizia nunca tinha sido vista pela crítica italiana como literatura de exílio. Já a de Julio era compreendida sempre com esse epíteto, com que nunca consegui lidar pacificamente: assim, para loucura de meu orientador, inverti as hipóteses e tratei Julio como pertencimento e Patrizia como literatura de exílio.
Voltar à obra de Julio me fez retornar àquela tarde ensolarada em que três brasileiros se encontraram para conversar sobre literatura e tentaram inúmeras vezes lembrar como se dizia em português preciosidades de uma língua italiana adotada pelos três, como por exemplo stroncare. Mas isso é papo para outra conversa.
A que segue se deu por e-mail nos primeiros dias de agosto de 2010. Perguntei a partir do Rio e Julio, sempre muito delicado e atencioso, respondeu de Lucca. Julio fala sobre um período frutífero da literatura brasileira, a Itália de Berlusconi, o fazer literário em detalhes, a relação entre o gênero conto e a tradição italiana, enfim, foi mais um ótimo papo.
Gabriela Valente, Mestranda em Literatura Italiana (UFRJ).
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Gabriela Valente – Júlio, você começou o seu percurso como escritor num Brasil ditatorial na companhia de Ana Cristina César, Caio Fernando Abreu, Domingos Pellegrini Jr., Cacaso entre outros – chamados ‘ Os Novíssimos’ ou ‘ Os Ratos Peludos’ -, fale um pouco daquele momento literário no Brasil?
Julio Monteiro Martins – Pois é, o início da minha vida literária coincidiu com um período “muito interessante” da história brasileira, no sentido em que os chineses usam a palavra “interessante”, ou seja, como um eufemismo para “terrível”, “tenebroso”, “impiedoso devorador de homens”. Os meus primeiros poemas são do longínqüo 1968, poemas de revolta contra a repressão ao movimento dos negros nos Estados Unidos, em Oakland e Berkeley, que eu via no telejornal em preto-e-branco na tv da casa dos meus avós. “Protesto”, era o título do meu primeiro poema “engajado”, que foi publicado nun jornalzinho dominical da minha cidade. Era obviamente uma poesia ingênua, mas demonstra que já aos treze anos eu interpretava a missão da literatura como potencialmente eficaz como intervenção na vida social e política, confiava neste seu poder de conversão da realidade em utopia, apesar do processo lento, fatigoso, ingrato, e que às vezes se assemelha a uma estagnação a exalar os seus miasmas. Como por exemplo nos anos do Milagre brasileiro, como os militares, os “Delfim-boys” e a Rede Globo a eles associada batizou a expansão neo-liberal de matriz estadunidense no Brasil dos anos ‘70. Os slogans oficiais de então eram “Ninguém mais segura este país” e “Brasil: ame-o ou deixe-o” (quem sabe se não foi esta “sugestão” a ser acolhida muitos anos mais tarde – como certas sementes no inverno – quando uma boa parte da intelligentsia brasileira decidiu flertar existencialmente com os aeroportos…).
A tentativa naqueles anos através da repressão, dos “desaparecimentos” oficiais e da censura, de esmagar ou ao menos atrofiar a criatividade da cultura brasileira – que vinha energizada por anos de euforia e de combates militantes – resultou no oposto do que pretendiam: a arte brasileira inventou-se um apogeu nas trevas, enriqueceu-se de indignação civil mas também de formas sofisticadas, de uma capacidade nova de criar e de entender metáforas, com o gosto pelo simbólico penetrando capilarmente a classe média jovem e até mesmo uma parte do povo, com sambas-enredo que pela primeira vez cantavam não o passado, mas o futuro, a certeza de um futuro de liberdade, a expectativa do “pulo do gato”, da punição pública dos servidores-carrascos, da reinversão dos valores antes invertidos, do avesso do avesso, em síntese, de uma palavra belíssima hoje em desuso, como tantas palavras belíssimas (e não é por acaso): da “redenção” do País.
No ano passado, durante um Seminário em Roma, eu ouví uma coisa que me chocou: um jovem professor da USP especializado na obra de Guimarães Rosa, me dizia que na sua Universidade aquele período histórico brasileiro, os anos 70, é conhecido como o Vazio Cultural! Vazio!! Foi a coisa mais absurda que eu já escutei na minha vida. Era como apelidar a Belle Époque de “Vazio artístico” , ou os anos do pós-guerra de “Vazio filosófico”. O período dos anos 70 no Brasil, que muito mais apropriadamente foi chamado de “boom literário”, foi exatamente o que o som da palavra “boom” inspira: uma explosão. Como é possível que os nossos amigos da USP se enganem tão redondamente? Não estão por ali um Antônio Cândido ou um Alfredo Bosi para lhes dar melhores conselhos? Ou será que São Paulo chama “vazio” tudo o que não é espelho? Que como naqueles anos a paulicéia preferiu não desvairar-se, e teve uma participação literária modesta em comparação com o Rio, com Minas ou mesmo com o Nordeste ou com o Rio Grande do Sul, hoje resolvem contemplar as próprias pálpebras e chamar de “vazio” o horizonte que não querem ver.
Naqueles anos, ao menos três gerações de escritores brasileiros produziam uma literatura riquíssima contemporaneamente, e as três gerações contemplavam discursos de oposição ao regime ditatorial, a geração de Drummond, de Érico Veríssimo, de João Cabral e de Clarice, a seguinte, de João Antônio, Rubem Fonseca, Oswaldo França Jr., Lygia F. Telles, José J. Veiga, Wander Piroli, José Louzeiro, Campos de Carvalho, Ferreira Gullar, Romano de Sant’Anna, Callado, Esdras, Edilberto Coutinho e Ivan Ângelo, e em seguida a nossa, os Novíssimos, (ou “ratos peludos” como nos apelidou em 77 uma ótima jornalista e escritora, Cecília Prada, que na analogia pensava a uma experiência científica com uns ratinhos crescidos num congelador, que se nutriam do próprio gelo para sobreviver, como nós nos nutríamos “antropofagicamente” do ambiente repressivo para criar literatura). Os Novíssimos eram o Caio, o Domingos Pellegrini, eu, o Emediato, o Antônio Barreto, o Silvio Fiorani, o Dau Bastos, o Carlos Emílio, o Nei Duclós, o Roniwalter Jatobá, o Márcio Souza, o Miguel Jorge e o Sérgio Faraco, e também aqueles que, mais especificamente cariocas (e que mesmo quando não eram cariocas, mas baianos, eram sempre cariocas), concentrados no território que vai do Arpoador à Avenida Niemeyer, eram ligados ao movimento da chamada “literatura marginal”, ou underground, que se reunia em torno da professora Heloisa Buarque, o Cacaso e a Ana Cristina Cesar, o Chacal, o Leminski, o Armando Freitas Filho, o Geraldinho Carneiro, o Francisco Alvim, o Waly Salomão e o Abel Silva. Mas apesar de amigo da Ana Cristina, e de ter feito alguns recitais junto com o Cacaso, eu não participava deste grupo, era mais sintonizado e tinha maiores afinidades com um movimento nacional – que o Rio, com excessão do pessoal do Pasquim, que era composto em grande parte de mineiros, ignorava ou esnobava. A turma “marginal” era minimalista demais pro meu gosto, cultivava o poema-piada que eu via como uma coisa infantil, tinha uma visão do Brasil muito provinciana a partir da Zona Sul do Rio, e me parecia mais deprimida que aguerrida, em suma, eles eram motivados por outras prioridades diferentes das minhas de então, e eu me sentia mais inspirado por Julio Cortázar ou por Che Guevara que por Frank Zappa ou Caetano Veloso (e talvez a minha Niterói fosse mais “próxima” de Porto Alegre, de Belo Horizonte, ou mesmo de Havana, do que do Baixo Leblon, ou ao menos eu sentia a coisa assim). No Rio, a minha ligação maior era com o pessoal do Pasquim, onde eu escrevia naqueles anos. O Ziraldo, o Henfil, o Millôr, o Ivan Lessa, o Jaguar, o Luís Carlos Maciel, o Nani, o Reinaldo, e até as secretárias, a Dona Nelma e a Helena, concentravam a essência bem-humorada da resistência cultural, com uma nonchalance fascinante, que era pura coragem travestida de brincadeiras. Eram censurados, eram presos, e riam! Se isso é “vazio cultural”, imagina se fosse “cheio”… E havia pessoas incríveis que circulavam em torno ao Pasquim naqueles anos, um nível de qualidade humana insuperável, Augusto Boal, Darcy Ribeiro, Flávio Rangel, Yan Michalski, Zé Celso, Roberto Moura, Jean-Claude Bernadet, Sérgio Cabral, Leila Diniz, Glauber Rocha, Aldir Blanc, Hermínio Bello de Carvalho, Tárik de Souza, Armindo Blanco, além de Tom Jobim, Siron Franco, Hélio Oiticica e Lygia Clark, e até personagens já então quase mitológicos, como Cartola, Clementina de Jesus, o jornalista policial Octávio Ribeiro, conhecido como “Pena Branca”, autor de “Barra Pesada”, o primeiro livro sobre os bastidores do narcotráfico no Brasil, ou um sóbrio e já grisalho Madame Satã.
O Pasquim, nos anos do Ato Instuitucional n°5, poderia muito bem usar o lema de uma antiga universidade européia: “Aqui reside o espírito”. Por trás de um aparente culto a uma espécie de Dolce Vita ipanemense, tão bem expressa nas canções da Bossa Nova, da celebração de uma suave e quase ingênua joie de vivre, estava uma vontade férrea de resistir à tirania e à mediocridade mediática que lhe servia de adubo, estava uma decisão de não deixar os brasileiros se esquecerem do que era – e do que poderia ainda ser no futuro – o nosso Brasil. O Pasquim serviu por muitos anos como um pro-memória das nossas virtudes melhores, que renascia cada semana nas bancas de jornal. E como se sabe, uma ditadura só perdura se for perdida a memória da liberdade, o que O Pasquim não permitiu que acontecesse. E tudo isto com as armas delicadas da ironia, da irrisão e do non-sense.
Pois bem, foi o grupo do Pasquim, Ziraldo principalmente, quem decidiu reunir os escritores novíssimos que mais se destacavam nas revistas literárias da época, como Ficção, Escrita, Inéditos, Teia e O Saco, e publicou uma antologia de contos pela editora do jornal, a Codecri, chamada “Histórias De Um Novo Tempo”. O livro foi um sucesso editorial incrível, inimaginável para autores estreantes como eu, o Caio ou o Domingos. Estávamos em 1976, muitos dos nossos maiores artistas ainda viviam no exílio, Vladimir Herzog tinha sido assassinado apenas alguns meses antes, e o livro, com histórias de denúncia dos horrores da ditadura, histórias realisticas como “O Método” ou “A Maior Ponte Do Mundo”, ou metafóricas como “Sim, Ele Deve Ter Um Ascendente Em Peixes”, “Radinho De Pilha” ou “Crocidura-Drama”, vendeu em um mês mais de vinte mil exemplares nas livrarias e nas bancas de jornal, que naqueles anos pululavam de livros e revistas literárias, expostas na primeira fila, coisa que nunca aconteceu antes nem se repetiu depois. Vazio cultural? Mas que vazio?
O “Histórias De Um Novo Tempo” foi o livro germinante daquela estação cultural: nos anos seguintes, projetados na onda de choque do “boom”, outros livros como os meus “Torpalium” e “Sabe Quem Dançou?”, ou o “Sono Provisório” do Barreto, ou o “Feliz Ano Novo” do Zé Rubem, ou o “Homem Vermelho” do Domingos, ou o “Malagueta” do João Antônio, ou o “Zero” do Ignácio, ou o “Galvez” do Márcio Souza tiveram enorme penetração, inauguraram uma nova forma mentis entre os escritores brasileiros e prepararam o terreno para a primeira grande onda de internazionalização da nossa literatura, já nos anos da democracia resgatada. Mas isto já é uma outra história.
De qualquer modo, o período do “boom literário”, que durou mais ou menos de 1974 a 1978, foi, aquele sim, o verdadeiro “milagre brasileiro”, a primeira e única vez em que a literatura “alta” foi ao mesmo tempo difundida e influente no Brasil. Que se escrevia e se lia bem, e muito. Que a literatura conquistou as bancas de jornal e os bares de cada cidade, que fez nascer revistas em Juiz de Fora mas também em Quixadá, em Goiás Velho, em Teresina e em São Gotardo. A poesia e a narrativa no centro da criação nacional, desafiando Fleurys e Marinhos, fuzis e telenovelas. E impondo por fim o seu discurso “subversivo” e “marginal” sobre todos os discursos patrocinados, oficiais e prepotentes.
Gabriela Valente – Em 1979 o International Writing Program da University of Iowa, dos Estados Unidos, concedeu-lhe o título de “Honorary Fellow in Writing”. O que aquilo significou para você?
Julio Monteiro Martins -Significou muito, sobretudo pelo prestígio do Programa, que havia atravessado os anos escuros do macarthismo sem fazer concessões, continuando sempre a convidar e a premiar escritores do bloco oriental, da China e da Rússia, em plena Guerra Fria. Por isto os seus dois organizadores, o poeta Paul Engle e a romancista chinesa Hualing Nieh, foram indicados para o Premio Nobel da Paz.
Fui o mais jovem escritor a receber aquele título na história do Programa. Naquela época eu havia acabado de publicar no Brasil dois romances, “Artérias e Becos” e “Bárbara”, e quando me mudei para os Estados Unidos estava já escrevendo o “A Oeste de Nada”, que seria publicado pela Civilização Brasileira só alguns anos mais tarde, quando retornei ao Brasil. Nos Estados Unidos, durante aqueles anos, tive outra experiência fundamental, a de ensinar dois cursos, un “Workshop in Fiction” e um de “Third World Politics” no Goddard College, no Vermont, uma espécie de universidade experimental, de vanguarda, onde os alunos escolhiam as matérias que gostariam de estudar no ano sucessivo e o College procurava e contratava os professores mais indicados. Os meus colegas eram pessoas extraordinárias, David Mamet ensinava Dramaturgia. Jim Nolfi era o diretor, e não havia uma nítida separação entre alunos e professores, era uma espécie de think tank onde se exercitava a crítica ao modelo atual de sociedade e se especulava sobre qual poderia ser “um outro mundo possível”, como se fez no Fórum Social Mundial de Porto Alegre muitos anos depois. O lema de Goddard era “progressive education for creative minds”, e era exatamente isto o que fazia.
Nos anos de Goddard eu comecei a escrever o livro “As Forças Desarmadas”, que terminei já no Brasil em 1983. A viagem aos Estados Unidos tinha sido programada para durar apenas alguns meses, mas decidi prolongá-la por alguns anos porque já se sentia no ar em 1979 o clima do fim do interesse pela literatura no Brasil, a agonia silenciosa do “boom”. Foi o ano do fim do AI-5 e do retorno dos exilados políticos, e as editoras a partir dalí praticamente só publicavam livros memorialísticos dos ex-guerrilheiros e obras ensaísticas em geral sobre a história recente do País. Os contos e os romances ficaram num segundo plano, e nunca mais se recuperaram daquele ostracismo, nunca mais foram lidos ou desempenharam um papel relevante como nos anos 70. Depois da moda das memórias, veio aquela dos livros humorísticos, a dos livros esotéricos e a mais deprimente de todas, em crescimento ainda hoje, e que é emblemática da produção editorial do Brasil moderno: os textos piegas, lacrimejantes, do tipo daqueles que nos chegam como slides em Power Point anexos às mensagens e-mail, que os brasileiros – e me parece que só eles no mundo inteiro – tanto amam. Uma indústria cultural que divulga um pensamento débil e superficial, conceitos cada vez mais banais, lugares comuns e sentimentos clichês, cheios de frases açucaradas, melosas, como as que aqui na Itália se encontram na embalagem dos bombons Baci Perugina. Ou pior, contrabandeando via Internet textos piegas e de baixo nível como se fossem escritos por grandes nomes, Pablo Neruda, Charles Chaplin, Millôr, ou Garcia Márquez, num estelionato literário que é, este também, marca inconfundível da burritsia emergente brasileira.
Já intuindo estas tendências tristes, o fim irreversível de uma era de qualidade e rigor, substituída por uma interminável e onipresente telenovela das seis, eu decidi não voltar naquele momento. Voltei porém para ficar ao lado da minha mãe, que estava morrendo, e em seguida à sua morte atravessei os anos 80 ensinando Criação Literária na Oficina Literária Afrânio Coutinho, criei a Editora Anima, no Rio, e quando tudo aquilo, por sua vez, se extinguiu, decidi abandonar o Brasil em definitivo, primeiro para viver e ensinar em Lisboa, e em seguida na Itália, onde reconstruí inteiramente a minha vida de escritor, desta vez em italiano.
Gabriela Valente – Você já disse que um escritor atuante em seu país não emigra, é gentilmente exilado, e por isso você se define ‘escritor no exílio’, que relação se estabeleceu na tua literatura a partir desse exílio? E você acha que essa denominação ‘scrittore migrante’ que você recebe na Itália dialoga com a sua obra ou é apenas uma problemática de um sistema literário em que um escritor está inserido?
Julio Monteiro Martins – O fenômeno da emigração do século XXI está ligado a questões macro-econômicas que definem os fluxos migratórios, à procura em última instância de trabalho e de sobrevivência, ou à fuga coletiva de conflitos étnicos e religiosos de massa que dão origem a multidões de refugiados, muitas vezes sem cidadania e reduzidos a uma espera infrutífera nas tantas “terras de ninguém”. O meu caso e o de outros escritores que decidem emigrar – se é que decidem, porque na minha opinião é o poder cultural que decide por eles – não tem nada a ver com este tipo de motivação. O escritor é parte essencial da “polis”, é uma reserva crítica da sua sociedade, e quando é obrigado a abandonar o seu País de origem o faz por razões de incompatibilidade ideológica e de isolamento. Ele é colocado na situação extrema, como no meu caso nos anos 90, entre escolher o exílio em pátria, o ostracismo interno, as “listas negras”, a impossibilidade de publicar, ou de ser noticiado quando eventualmente publica, e o exílio fora da pátria, muito doloroso, traumático, mas que ao menos oferece uma chance de recomeço: os olhos hostis sobre ele e a sua obra se transformam, no exterior, em olhos virgens e curiosos.
Sempre remando contra a corrente, e com um forte sentido de dignidade pessoal, entrei em conflito com o sistema de direita durante a ditadura e também com alguns barões da esquerda brasileira quando a democracia foi restabelecida. Aprendi sofrendo na carne que os generais eram menos perigosos do que os próceres oligo-esquerdistas, e muito menos pérfidos e vingativos. Depois destas minhas brigas públicas – o caso da cisão do Partido Verde em 1986 e o caso do filme “Um Trem Para As Estrelas” em 1987 – nunca mais publiquei nada e nunca mais consegui trabalhar como roteirista ou nos jornais brasileiros. Os meus livros novos daqueles anos, como “Sol de Inverno” ou o romance “A Última Pele”, livros superiores aos precedentes, mais maduros, belos livros, eram devolvidos a mim pelos editores sem sequer serem lidos, como se lhes queimassem as mãos. E estão inéditos até hoje, mais de vinte anos depois.
O exílio é uma migração forçada pelas forças vivas de um país, pelos grupos que repartem o poder contra aqueles que não o possuem. Um escritor como eu, que teve inclusive uma atuação política incisiva num período de transição institucional como os anos 80 no Brasil, pode ser mandado ao exílio, ou em degredo, ou em desterro, ou em banimento, escolham o vocábulo favorito. Mas não emigra. E muito menos faz o que chamam de “auto-exílio”, expressão desonesta e privada de significado real, que não passa de um modo para tentar culpabilizar a própria vítima.
Não emigra, porque não é movido por fluxos migratórios ou por contingências econômicas, mas por questões pessoais e intransferíveis, freqüentemente ligadas às tendências ideológicas e estéticas do poder cultural. E o fato é que os exilados brasileiros da minha geração devem sofrer o dobro da geração precedente, porque sofrem o exílio e não são compensados pelo reconhecimento do exílio, devem viver um exílio fantasma, fora das instituições, uma espécie de, parodiando Oscar Wilde, “exílio que não ousa dizer o seu nome”. Um exílio agravado e humilhado pela falta de legitimação. São exilados e esquecidos estes, ao contrário dos sempre recordados exilados políticos dos anos de chumbo, como o “irmão do Henfil”, o Darcy ou o Ferreira Gullar. E ao contrário do ostracismo grego, que bania o poeta indesejado por 10 anos, este “exílio envergonhado” é eterno, se confunde com o oblívio, com o esquecimento fatal, e não tem data para expirar, porque para todos os efeitos, “não existe”. É minimizado, reduzido a um dar de ombros acompanhado de “os insatisfeitos que se mudem”.
São muitos os brasileiros de talento que sofrem este desterro incógnito. E o exílio causa danos a todos, ao exilado e também, talvez principalmente, ao País, que perde assim alguns dos seus homens e mulheres mais capazes; um País, como lembrou Marina Silva recentemente, necessitado ao extremo de uma elite pensante válida, indispensável à realização do destino que se propõe. Um País, como no Macbeth de Shakespeare, “onde os homens honestos expiram antes que murchem as flores nos seus chapéus”.
Como é o exílio? Como se vive esta subtração da graça? Em muitos casos é tumba ou hospício. Em alguns, raros casos, glória, mas uma glória sem sentido porque sempre concedida fora do seu lugar natural. Em uma poesia escrita em italiano, “Vivere in esilio”, digo: “vinho vertido / sobre a bandeja de prata / enquanto as taças /continuam vazias”. Acho que esta metáfora dá bem a idéia desta ausência de sentido.
Quanto à expressão “escritor migrante”, não é do meu gosto particularmente, prefiro que se fale de “literatura mundial” por exemplo, que me parece mais abrangente e menos “guetizada”, menos confinante. Mas tenho que reconhecer a qualidade didática de “literatura migrante”, porque serviu para sublinhar a sua grande novidade e para distingüí-la logo da literatura pós-colonial, que é um fenômeno muito diverso, ligado às ex-colônias dos países europeus que tinham uma elite literária que escrevia na língua da metrópole, enquanto no caso da literatura migrante não existe nenhuma relação colônia-metrópole nem se trata da língua “superior” de um colonizador, mas de uma língua escolhida livremente, uma escolha estética, existencial, motivada por afinidades pessoais e subjetivas. Por exemplo, algumas importantes escritoras migrantes em língua italiana provém da língua-mãe alemã, como Barbara Pumhösel, Eva-Maria Thüne ou Helga Schneider. Se trata portanto de um desdobramento e de um enriquecimento das identidades culturais de um escritor.
Gabriela Valente – Sua produção do ‘período italiano’ parece um continuo afastamento crescente das referências brasileiras que você levava… Desde ‘Racconti Italiani’ até o ‘ L’Amore Scritto’, você parece ‘precisar’ ser cada vez menos explicitamente um escritor brasileiro, mudam os nomes próprios (apesar de seguirem pouco italianos), mudam os cenários, você se apropria cada vez mais de uma paisagem e de um vocabulário, que ficam peceptiveis na língua italiana, cada vez mais fluida de que você faz uso. Estou enganada?
Julio Monteiro Martins – Francamente, eu não vejo este afastamento gradual de que você fala. O que existe de escritor brasileiro em mim, que deixei o Brasil já com mais de 40 anos de idade, é muito consolidado e profundo para ser relativizado pelo exílio. Nesta encarnação, digamos, eu sou irremediavelmente brasileiro. O que eu vejo é uma coisa mais complexa e mais interessante: uma relação dialética entre transformação e continuidade.
Em geral os críticos que se dedicam à literatura migrante privilegiam a mudança e os seus traumas em relação ao elemento da continuidade. Mas na minha opinião, por trás do “verniz” de uma outra língua, de nomes de personagens diferentes, de cenários e paisagens diversas, prevalecem os leitmotiv originais do escritor, as suas antigas obsessões, o seu universo temático pessoal e a sua vocação irresistível para um certo tipo de estilo e de metáfora. Por exemplo, em 1976 eu escrevi o conto “Sabe Quem Dançou?” em português, que fala de um “avião” de cocaína, o Toni, que trabalha para a sua amante, e que por ser menor de idade não levanta suspeitas e não corre o risco de ser preso. Em 2008, 32 anos depois portanto, eu escrevi em italiano, para o livro “L’amore scritto”, o conto “Marasma a Milano”, no qual um personagem chamado Toni faz entregas de papelotes de cocaína para a sua amante e não levanta suspeitas nem corre riscos de ser preso porque… tem mais de setenta anos. É um caso em que a continuidade prevale sobre a invenção, a não ser por um detalhe importante: a invulnerabilidade do protagonista advém do fato de que é adolescente num caso ou de que é senil no outro.
Creio que uma parte da contribuição que os meus livros deram à tradição literária italiana vêm exatamente do quanto existe de brasileiro dentro deles, da experiência frenética do gênero conto no Brasil durante o “boom literário”, que a história literária italiana nunca conheceu: o conto aqui sempre foi, e é ainda hoje, um gênero subestimado, praticado principalmente por escritores que se destacaram sobretudo como grandes romancistas. A figura do contista por excelência, dedicato exclusivamente à narração breve, como Borges, ou Carver, ou Allan Poe, ou Dalton Trevisan, não existe na história italiana. Portanto, não foi a minha literatura que foi “italianizada”; mais provavelmente ela contribuiu a “abrasileirar” a literatura italiana. Penso ao gênero conto, mas penso também a um certo uso de diálogos diretos sem o auxilio dos comentários do narrador em terceira pessoa. Penso a uma exuberância tropical quase barroca nas metáforas. Penso na liberdade divertida com que eu invado a minha própria narração com estratégias meta-narrativas, como no meu romance “madrelingua” por exemplo, que tem dois narradores, e um fica gozando do outro o tempo todo, dando a entender que ele não sabe nada e inventa as coisas. Tem a ver com a tendência ao grotesco e à “carnavalização” dos personagens. Com a sombra constante do absurdo e do non-sense que paira sobre o enredo. São todas estratégias que tiveram a sua origem na minha produção brasileira e que hoje fazem parte da literatura italiana, ou melhor, da literatura mundializada em língua italiana, que é aquela que eu escrevo hoje.
Gabriela Valente – Pra você, escrever em italiano em algum momento já foi apenas uma questão de inserção no ambiente literário do país em que morava? E no que se transformou hoje esse exercício literário em outra língua? Que relação você estabeleceu com essa língua e como você lida com o peso dessa tradição – que no Brasil não oprime tanto?
Julio Monteiro Martins – A tradição literária não oprime tanto no Brasil, é verdade, mas tem tantas outras coisas que oprimem que a gente nem chega a pensar na tradição… Muito antes dela vêm a opressão do compadrismo, das igrejinhas, da banalidade tipo “baci perugina” de que falava, dos pais que promovem os filhos na área artística como se talento e valor fossem herdados geneticamente, e que não passa de uma forma de favoritismo e de nepotismo em nada melhor do que aquela presente na política dos coronéis. E, ainda mais pernicioso, a transferência indevida da fama em outras áreas mais mediatizadas, como o humorismo televisivo, a política ou a música popular, para a área literária, criando uma competição desleal com os verdadeiros escritores, usurpando o espaço de outros que escrevem muito melhor e coisas muito mais importantes, através de um “atalho” publicitário, que é uma das patologias sérias do ambiente editorial brasileiro – e não somente brasileiro – nos nossos dias.
Escrever em língua italiana nunca foi para mim uma busca consciente de inserção. Foi uma situação literária e lingüística inevitável: o meu presente era todo em língua italiana, mulher, filhos, amigos, alunos, colegas, todos eram italianos e o italiano em pouco tempo se tornou a língua da vida, ao contrário do português que, naquelas circunstâncias, se transformava na língua da memória. Um escritor voltado à “leitura” da realidade e do espírito do tempo como eu não pode descrevê-los com a língua da memória, precisa fazê-lo com a língua ativa, quotidiana, a língua na qual emerge a emoção imprevisível e potente, a frase sedutora, o palavrão quando tropeça… Uma situação de surpresa aqui e hoje não provocará nunca um “Nossa!”, mas sim um “Mammamia!”. O Vesúvio explode novamente e o que é que você diz? “Minha nossa!”? Não. Diz “Mammamia!”. Ou não?
A língua é viva, mais do que se imagina normalmente. A língua é inclusive um organismo vivo, que envelhece, adoece, se apaixona, faz “recalques” de palavras e expressões como nós fazemos de experiências traumáticas, e faz renascer palavras perdidas, ou senis, com novíssimos sentidos. A língua faz experiências, com as gírias e os neologismos, e conserva e normaliza as mais bem sucedidas. A língua tem acessos de nostalgia, de histeria e de esquizofrenia. É ao mesmo tempo transparente e nebulosa, franca e ambígua, às vezes até cínica como no uso da palavra “liberdade” igualmente pelos opostos ideológicos, com sentidos contrários e incompatíveis.
Quando eu vivia nos Estados Unidos, pelas razões mencionadas, comecei a escrever um romance diretamente em inglês, “The American Nostrils”, que deixei à metade quando voltei para o Brasil. As línguas me seguem, e eu as sigo. E é natural que seja assim. Talvez no Brasil a globalização ainda não se faça sentir em modo dominante, mas a verdade é que com Internet, e com Facebook, e com os vôos low-cost do tipo EasyJet ou RyanAir, com os projetos de intercâmbio universitário, como o Erasmus e o Socrates aqui na Europa, que transferem todos os anos milhões de jovens de um pais ao outro, está ocorrendo silenciosamente uma verdadeira revolução, mais até do que cultural, antropológica. Está emergindo um novo tipo de ser humano, que absorve de todo o mundo, e adota no seu quotidiano, tudo aquilo com que se identifica: línguas, namoradas, culinária, música, estética, ritmo, crenças, filosofia de vida e visão geral das coisas. Enquanto a globalização promove o intercâmbio de produtos e de investimentos, aquilo que eu chamo mundialização promove o intercâmbio de seres humanos, de culturas, de obras artísticas e de valores. E neste processo, o local não é ameaçado, mas sim valorizado, porque joga dentro da riqueza cultural mundial um papel importante, é responsável pela própria identidade sortida e matizada que caracteriza a mundialização. A literatura não será uma exceção dentro desta transformação. Apesar de estar condicionada por um processo mais lento e difícil, por causa da sua ligação visceral com uma tradição literária nacional, tecida nos séculos numa determinada língua nacional, ela também começou nos últimos vinte anos a romper estas barreiras e o nascimento de uma literatura “migrante” em tantos países de forte tradição nacional, como a Itália, a França, a Espanha, os Estados Unidos e a Alemanha, demonstra que o processo é atuante e veloz. Há várias décadas a música, as artes plásticas, a arquitetura e até mesmo o cinema, que muitos consideram parte dos gêneros narrativos, como o teatro e a literatura, são fortemente mundializados. A literatura segue as mesmos pegadas. Se a literatura é um “epifenômeno” da realidade, se exprime o conjunto de impressões e de atmosferas com as quais a realidade quotidianamente a impregna, é claro que uma mudança tão substancial nos elementos dessa realidade, como a mundialização, influirá nas escolhas feitas pelos escritores do futuro e abrirá novos horizontes à construção da sua obra, um dos quais sem dúvida é a escolha mais livre da língua na qual deseja expressar-se naquela fase da sua vida criativa. A dissolução das fronteiras nacionais, um fenômeno irreversível da contemporaneidade, relativiza por sua vez o poder exclusivo e totalitário da língua-mãe na realização de uma obra literária. Digamos, para seguir a metáfora, que no lugar de uma única língua-mãe, os escritores terão à sua disposição as “línguas irmãs”, na companhia das quais ele transcorreu partes importantes da sua vida.
Gabriela Valente – O dicionário é duplamente amigo do escritor bilíngüe ou em trânsito entre duas línguas como é do tradutor?
Julio Monteiro Martins – O dicionário bilíngüe não me parece útil: as sutilezas, as zonas cinzentas, na passagem de uma língua a outra não estão, e nem podem estar presentes num dicionário bilíngüe, que tem competência muito limitada e e se exprime em modo aproximativo (e além do mais, é difícil encontrar dicionários bilíngües sérios, de grande qualidade).
Um bom dicionário da língua de adoção, este sim é utilissimo, assim como um bom dicionário de sinônimos e antônimos. De qualquer modo, um escritor experiente sabe até que ponto pode confiar nos dicionários, e os utiliza somente em modo indicativo. Ele sabe, por exemplo, que não existem sinônimos absolutos, que não existem “gêmeos” mas somente irmãos e primos. A palavra nova, ele a conhecerá viva, lida ou falada, com a carga de emoção que ela abriga no seu coração secreto, “vestida” de sonoridade, de risos e sorrisos, de soluços, sussurrada ou gritada, com as suas sibilações, as suas fricções e os seus golpes bilabiais. Os dicionários não são, e talvez nem mesmo os livros impressos, capazes de oferecer a um escritor o alto grau de intimidade com as palavras indispensável para compor uma obra em modo convincente e sedutor.
Gabriela Valente – Você considera que a sua escrita tem relação formal com uma escola de escritura criativa? Idéias muito preciosas, desenvolvidas na concisão de uma narrativa breve, quase como que num constrangimento oulipiano?
Julio Monteiro Martins – Não creio que tenha relação direta com a escola de escritura creativa; mais provavelmente os meus cursos são em parte um resultado deste tipo de escritura, porque muitas das estratégias que utilizo procuro oferecer como opção aos meus alunos, como alternativas às estratégias que eles mesmos desenvolveram. Por exemplo, o que você chamou de “idéias muito preciosas” em geral são iluminações de um canto escuro da realidade, que ficou escondido na sombra, apesar de sempre ter existido sem nunca ter sido conceitualizado ou retratado artisticamente, e que o texto traz à luz e revela. Um dos deveres mais importantes do escritor, se é um escritor que leva a sério o que faz, é este de revelar ao leitor conscientemente uma coisa que, ele leitor, “no fundo já sabia” que existia mas que não tinha nunca visto expresso em palavras, simplesmente porque ninguém o tinha feito antes. Como na canção “Um Índio” do Caetano, quando diz “ter sempre estado oculto quando terá sido o óbvio”. As idéias preciosas da minha literatura – e são muitas num livro, talvez o meu preferido entre os publicados na Itália, o “La passione del vuoto” (Paixão Pelo Vazio) – são preciosas sobretudo porque são verdadeiras, porque atravessam a névoa dos clichês, do que eu chamo o “prêt-à-penser”, para chegar ao coração do objeto ou do conceito, o que às vezes pode ser brutal, mas é sempre muito revigorante.
Gabriela Valente – Júlio, tenho curiosidade em saber de ti sobre essa predileção pelos contos e a recepção dessas narrativas breves – tão inerentes à literatura brasileira – na Itália, que em poucos momentos, como por exemplo o neorrealismo, as praticou maciçamente.
Julio Monteiro Martins – Como disse numa resposta anterior, o conto como gênero exclusivo da obra de um escritor importante nunca foi considerado uma possibilidade na Itália. E se o conto foi praticado com mais freqüência nos anos 50 e 60, foi por uma influência irresistível dos escritores latino-americanos que dominavam o cenário da época. Uma vez que a moda latino-americana se diluiu, dando espaço aos escritores da Europa Central e aos ingleses e escandinavos, o conto praticamente desapareceu novamente e o romance voltou à tona não como o gênero principal da narrativa, mas quase como o único gênero aceito! Veja, os principais prêmios literários italianos, o Viareggio, o Campiello, o Strega, não concedem nunca um premio de narrativa a uma antologia de contos. Há muitos e muitos anos somente os romances (alguns realmente bem fraquinhos) são contemplados. É uma coisa incrível. Aqui a tradição “manzoniana” do romance-síntese-do-mundo, do romance-fluvial é ainda muito forte. Mesmo quando as narrações tratam de temas muito modernos, o espírito de fundo é oitocentista. Por exemplo, a narração fragmentada ou a subversão das técnicas de uso do tempo narrativo, é vista como uma narração frustrada, incompetente. A sucessão de pontos-de-vista narrativos diversos é freqüentemente interpretada como uma coisa confusa, uma complicação desnecessária. E a prática do conto breve é incentivada somente como uma espécie de “treino” para os futuros romances. Ao conto os italianos se recusam a conceder uma dignidade equivalente àquela do romance, apesar dos muitos críticos que fazem um discurso oposto nos ensaios deles, provavelmente porque no fundo sabem como são as coisas fora da Itália e têm vergonha deste anacronismo. A situação injusta e anacrônica do conto breve na Itália foi uma das razões que me levaram a criar aqui uma Oficina Literária, a “Sagarana”. Para contribuir a reduzir esta anomalia e abrir um espaço privilegiado de criação e de recepção para o gênero conto.
Quero ser muito claro sobre isto: eu sempre defendi o conto como um gênero totalmente adequado para a sensibilidade fragmentada e para a subjetividade atual, montada através de um zapping contínuo, um mosaico em movimento composto de trechos justapostos de realidade e de fantasia indistintamente (e também deste ponto-de-vista a literatura brasileira foi premonitória, veja a construção do “Macunaima” por exemplo, ou o “Avalovara” do Osman Lins, ou o “Zero” do Ignácio de Loyola Brandão, ou o “PanAmérica” do José Agrippino de Paula, ou o “Catatau” do Leminski). Defendi o conto quando o via sendo considerado um gênero “menor”, através de um raciocínio primário, quase infantil, de confundir a relevância de uma obra com a sua dimensão física, como se o “tempo” e o “esforço” empregados na sua execução acrescentassem uma espécie de “valor agregado” à obra. Já quando ensinava na OLAC (Oficina Literária Afrânio Coutinho), no Rio, tentava de desmistificar estas noções elementares equivocadas, muitas vezes transmitidas aos futuros leitores ainda na escola média e conservadas como um dado adquirido por toda a vida. Se a literatura se divide em gêneros, o conto breve é o gênero por excelência do nosso tempo.
A questão é que a literatura, na minha opinião, não se divide em gêneros. É igualmente ingênua esta divisão estanque em conto, novela e romance. Com o tempo se aprende que é o conteúdo de uma história a “dizer” a dimensão ideal que a história deve assumir para realizar-se na sua forma melhor, a mais perfeita para aquela narração específica. É a intenção de fundo da história a propor a sua extensão. Um conto brevíssimo de Cortázar, como “As Linhas da Mão” só poderia existir com aquela sua forma de dez linhas. A sua beleza e o seu sentido estão naquelas dez linhas. Assim como a beleza e o sentido de “Madame Bovary” está nas suas 360 páginas. A intenção de Flaubert era conduzir o leitor através de um processo, da trágica emersão do caráter do seu personagem, enquanto a intenção de Cortázar era produzir um raio, una descarga elétrica instantânea e fatal. Assim, as divisões em gêneros, se não respeitam esta relação de causa e efeito e as infinitas graduações que a dimensão pode assumir segundo um certo ritmo interno impositivo da história, serão artificiais e vazias de sentido, mero artifício didático e nada mais. Discutir a questão dos gêneros literários sem levar em conta esta realidade estrutural da narrativa – que na verdade exige a dissolução dos gêneros numa abordagem mais profunda, que analisa caso por caso, como se cada obra fosse “um gênero em si” – é inútil como discutir o sexo dos anjos.
Gabriela Valente – madrelingua (em minúsculo) é seu romance em italiano, como é escrever um texto de maior fôlego em uma segunda língua? Como é o seu processo de escrita? As idéias já chegam em italiano? Você também acha que a língua italiana, com seus gestos e interjeições, é uma língua que invade muito um falante fluente de outra língua mãe?
Julio Monteiro Martins – Como acenei há pouco, a língua é um organismo vivo, e tem um corpo e um espírito. A língua italiana, como a portuguesa, tem um espírito muito peculiar e uma grande capacidade de impregnação de quem a utiliza. É uma língua de enorme expressividade, com alguns recursos originais, como as partículas de negação, e uma orgia de sufixos que são muito divertidos de aplicar, além de interjeições fantásticas, um arsenal de adjetivos muito cruéis, demolidores, e uma gestualidade que é parte intrínseca dela e que é famosa em todo o mundo. Mas esta capacidade de impregnação é um acréscimo benfazejo e não danifica o patrimônio da língua-mãe. Este último permanece intacto, e talvez se torne ainda mais preciso, afiado através do contato diário com um outro idioma, ao mesmo tempo próximo e diverso, como é o caso do português e do italiano.
O meu processo de escrita muda muito de um livro para o outro, ele também tem que adaptar à intenção de fundo da obra em progressão para torná-la eficaz ao máximo. Algumas obras requerem sobretudo observação, outras uma reflexão mais abstrata, outras um mergulho profundo – e às vezes perigoso – nos meandros tenebrosos do inconsciente do autor. Muitas das minhas metáforas “extensas”, ou seja contos e romances que são, eles inteiros, os enredos que desenvolvem, uma grande metáfora, nascem destas imersões no inconsciente. E além disso, dedico-me muitíssimo ao artesanato da forma, à procura do mot juste, da palavra exata e insubstituível. Talvez valha a pena lembrar que uma grande parte da minha obra é composta de antologias poéticas, a poesia, primeiro amor, continuou sendo amada todos os dias, nunca foi abandonada, e nunca brigou com a prosa, ao contrário: é a profundidade da lida com as palavras, com o ritmo e a pluralidade de sentidos e de sensações que a poesia propõe, que prepara o escritor para a escrita de uma prosa mais perfeita e mais envolvente.
O madrelingua foi o meu primeiro romance publicado na Itália, mas o meu próximo livro, que terminei de escrever este ano, é ele também um romance. Se chama Baci di guerra (Beijos de Guerra), e trata do tema da impossibilidade de conhecer a verdade e da enorme transgressão, punida severamente, que é revelar um aspecto dos bastidores da história que não seja a versão oficial da media. O protagonista, um professor de Ciência Política, Giovanni Dallari, decide não ensinar aos seus alunos noções – por exemplo, sobre o chamado “terrorismo internacional”, sobre os paraísos fiscais, o tráfico internacional de drogas, as celebridades da esquerda que são colaboracionistas do poder da direita, a manipulação dos eleitores, as listas negras invisíveis e as “fábricas do sucesso” – que são alteradas e emolduradas pelos telejornais e pela imprensa em geral, sai em busca da informação direta através de velhos amigos hoje próximos ao poder, e assim organiza o seu curso na Universidade com base na verdade e não nas versões convenientes ao sistema. Este ato de coragem civil e de paixão pela verdade – Dallari é como um moderno Giordano Bruno – ameaça de arruinar-lhe a vida, privada e profissional, porque nada é considerado mais perigoso, mais subversivo e mais explosivo pelo poder do que a revelação simples e crua dos fatos. Baci di guerra é fruto desta experiência muito italiana, que é viver dentro da “ditadura patrimonial” berlusconiana, mas a essência dos fatos, do aniquilamento, ou do “assassinato cultural” como diria Glauber Rocha, do personagem Dallari, poderia acontecer muito bem hoje em qualquer outro país ocidental, inclusive no Brasil. Os sistemas são parecidos quando exercem o poder, têm os mesmos métodos, medos e redes de cumplicidade, e hoje todos são atraídos pela perspectiva de um poder perpétuo através de um totalitarismo mediático.
Quanto ao madrelingua, é o livro meu que obteve o maior sucesso de crítica na Itália, com dezenas de resenhas e artigos nos principais jornais e muitos ensaios críticos e teses nas universidades. O Le Monde Diplomatique escreveu sobre o autor: “Monteiro Martins é um fabulador pirotécnico de almas e de espaços, maestro absurdo e sensual da busca melancólica de uma eternidade que paradoxalmente vira pelo avesso o romance como um saco vazio”.
Este sucesso eu atribuo sobretudo às novidades estilísticas e estruturais do livro. Foi um vento novo na literatura italiana. Já falei dos dois narradores que disputam o espaço, mas também, por exemplo, no meio do romance tem uma “piccola enciclopedia arbitraria” cujos verbetes – bizarros, surreais, cujas definições não têm nada a ver com as palavras – foram escolhidos arbitrariamente entre os substantivos presentes no livro: Os verbetes eram: Mané Garrincha, zombie, Jean Sibelius, carnevale, Pocahontas, sfinge, Niterói, Lucifero, identità, etcétera, etcétera. O madrelingua inteiro é um “concerto” de estratégias narrativas originais, de invenções técnicas que ajudam a amplificar o senso de humor do romance. É um livro muito divertido. E eu me diverti muito escrevendo-o. Às vezes tinha que parar de escrever para rir sozinho. Quem sabe se não me baixou o espírito do Pasquim?
Gabriela Valente – Fala um pouco da experiência da Sagarana? Como é para um escritor que começou escrevendo na ditadura brasileira, escrever e formar escritores hoje a partir de uma Itália num momento de retrocesso político, que ruma desesperadamente para a direita e fecha suas fronteiras ostentando xenofobia e racismo (para sobreviver)?
Julio Monteiro Martins – Bem, de 1997 a 1999 eu organizei em Lucca, na Toscana, junto com a prefeitura, um evento literário importante, o “Scrivere Oltre Le Mura” (Escrever Além Das Muralhas), no qual Lucca se tornava “La città della scrittura” por uma inteira semana. Alguns dos melhores escritores de cada área, teatro, narrativa, poesia, infanto-juvenil, ensaio, biografias, etcétera, coordenavam oficinas de criação literária nos belíssimos espaços renascimentais que a cidade colocava à nossa disposição. Havia sempre mais de 200 alunos inscritos, que vinham de todas as regiões do país, e de outros países vizinhos, a França e a Suíça. Era uma coisa muito bonita, mas que durou somente três anos porque, com a expansão das idéias de Berlusconi e o crescimento da direita obtusa e obscurantista que lhe está em torno, em 1999 perdemos a cidade para o seu partido, o Forza Italia, cuja primeira iniciativa foi extinguir os eventos culturais da antiga administração, com exceção daqueles ligados à música (Lucca é a cidade de Puccini, e ai de quem tocar os eventos musicais…). Quando pressenti, ainda no inicio daquele ano, que aquela direita boçal ganharia as eleições, comecei a pensar em criar uma instituição privada sem fins de lucro, na forma de uma fundação ou de uma associação, que pudesse dar continuidade àqueles eventos apesar da tempestade política, e assim, naquele mesmo ano, nasceu a “Sagarana”, inicialmente como Scuola di Scrittura Creativa, com um curso Master com onze professores e diversos cursos full immersion, que deram origem a uma nova geração de escritores italianos, mais técnicos e formalmente sofisticados, mais engajados politicamente e capazes de contrapor-se à ascensão das idéias racistas, ao monopólio exclusivo da informação e à violência da extrema direita no país. Foi o que fizemos nos últimos anos, e era uma coisa que tinha que ser feita, porque só a literatura é capaz de inventar os discursos que poderão servir de antídoto aos discursos hegemônicos e onipresentes da propaganda oficial – quem sabe como fez O Pasquim no Brasil do passado, usando a ironia, o wit, para revelar todo o ridículo do sistema, para mostrar que “o rei está nu”.
Com o intuito de apoiar didaticamente os trabalhos dos laboratórios, foi criada no ano 2000 uma revista literária on-line, a revista Sagarana, uma experiência de revista total, que reunia reflexões de alguns grandes pensadores contemporâneos, poesias, contos e trechos de romances, e até mostras virtuais de arte e fotografia e de curta-metragens. Além disso traduzia e publicava como uma seção especial a revista de vanguarda berlinense Gegner, e na seção Vento Nuovo publicava os melhores textos inéditos de jovens autores. Nos anos seguintes, a revista Sagarana cresceu mais do que a própria Scuola, internacionalizou-se e hoje quase a metade dos leitores vêm de outros países, promoveu já nove seminários anuais de escritores migrantes, que estão todos acessíveis no nosso site, e em outubro próximo realizará o décimo seminário, desta vez em colaboração com a Universidade de Estrasburgo. A Sagarana hoje se firma como uma das mais lidas e influentes revistas culturais da Itália. A sua última edição, o número 41, foi o número especial de aniversário, de 10 anos da revista, e foi dedicado a Jorge Amado.
Gabriela Valente – Você ainda pede correção dos teus textos em língua italiana pros teus alunos? Como é essa troca tão íntima?
Julio Monteiro Martins – Os meus alunos se transformam em verdadeiros “cúmplices” literários. Trocamos sempre os nossos originais, lemos e propomos modificações, correções e aperfeiçoamentos aos textos uns dos outros. Eu sempre fiz este tipo de leitura crítica com os amigos quando publicava no Brasil, e com mais razão agora que escrevo numa língua que não é a minha língua-mãe. Alguns estudantes e escritores colaboraram em modo importante na minha obra “italiana”, e a eles sou muito grato. Citarei Cristiana Sassetti, Antonello Piana, Laura Guidugli, Mia Lecomte, Alessandra Pescaglini e o compositor brasileiro radicado em Udine Alberto Chicayban, meu grande amigo. Com a ajuda deles, os meus textos já chegam ao meu agente literário ou ao editor muito aperfeiçoados, e eles se limitam a algumas poucas sugestões estilísticas que são discutidas comigo. Devo dizer que aqui na Itália existe ainda um grande respeito pelas escolhas do autor de uma obra, e eles não ousariam mudar um título, suprimir uma parte do livro ou impor um prefácio, sem o consenso total do autor, e mesmo a capa do livro vem apresentada a ele antes para aprovação e ele pode exercer, como eu mesmo já fiz no caso da primeira capa do L’amore scritto, um direito de veto.
Gabriela Valente – Fala um pouco do momento atual da literatura italiana, o que você anda lendo?
Julio Monteiro Martins – A literatura moderna italiana teve um apogeu no período pós-guerra, com uma geração incomparável de escritores que influenciaram os rumos da literatura mundial do período. Penso em Alberto Moravia, Pasolini, Pavese, Ítalo Calvino, Montale, Ungaretti, Edoardo Sanguineti, que faleceu recentemente, e o Premio Nobel Dario Fo, o nosso entrevistado do número 40 de Sagarana. Foi uma geração que prosperou em simbiose com o cinema italiano do neorealismo, com grandes diretores, autores eles mesmos de roteiros que são verdadeiras obras literárias, como Fellini, Antonioni, De Sica e Elio Petri, e que também contavam com grandes talentos literários entre os seus roteiristas, como Cesare Zavattini, Suso Cecchi D’Amico e Tonino Guerra. A partir do final dos anos Sessenta, a meu ver, a literatura italiana perdeu parte da sua sofisticação técnica e estilística e parte do seu poder transgressivo, e entrou numa fase pouco brilhante, muito concentrada nos pequenos dramas familiares e na imitação nem sempre bem sucedida da literatura beat americana. A excessão talvez tenha sido a leva de escritores “subversivos”, os que retrataram a luta da esquerda armada, dos “anos de chumbo e das brigate rosse dos anos ’70, como Erri de Luca, Nanni Balestrini, Bruno Arpaia ou Stefano Tassinari. São os autores dos livros mais potentes dos últimos 50 anos na Itália. Depois deles, a grande novidade é a “literatura migrante” – que o professor da Sapienza de Roma Armando Gnisci, autor do “Nuovo Planetario Italiano”, afirma ser a maior revolução literária na Itália desde o Futurismo, mas que grande parte dos críticos ainda finge ignorar, ou a rejeita abertamente como estranha à grande tradição italiana, o que me levou num artigo a propósito a afirmar que as duas grandes tendências atuais, a mainstream nativa e a migrante, “correm como linhas paralelas que não se encontram nem mesmo no infinito”. Autores nascidos na Itália e outros nascidos no exterior escrevem livros sobre temáticas afins, na mesma língua, com personagens e cenários da Itália contemporânea, mas apesar disto a crítica os analisa separadamente, e as editoras que os publicam são diversas, como se fossem duas nações literárias incomunicáveis. Um verdadeiro diálogo até o momento inexiste, diferentemente do que acontece entre “nativos” e “migrantes” hoje na França ou na Alemanha, onde todas as maiores editoras fazem questão de hospedar nos seus catálogos escritores nascidos em outros países.
Gabriela Valente – Você acha que a tua literatura atual funcionaria no Brasil? Poderia ser traduzida? Existem essas fronteiras para o texto literário?
Julio Monteiro Martins – Bem, todos os exilados já voltaram, já foram anistiados, não é? Não vejo porque só eu deva continuar excluído de tudo, no Brasil.
Se a minha literatura poderá ser traduzida em português com sucesso? Por quê não? É uma literatura universal, sim, mas repleta de referências ao Brasil, impregnada até à medula da vida e da visão de mundo brasileira. Aliás, há alguns meses saiu em Portugal numa antologia, “Comboio Com Asas”, um meu conto, “O Súdito”, que narra a vida de André Rebouças no Rio do século XIX, e depois na África e na Ilha da Madeira, escrito originalmente em italiano e traduzido pela poetisa portuguesa Laura Moniz, que ensina em Trieste.
Quando penso em voltar a publicar no Brasil, penso na tradução dos meus “livros italianos” mas também naqueles escritos em português e que ficaram inéditos no “rabo de foguete” deste meu exílio, o “Sol de Inverno” e o romance “A Última Pele”. E, por que não, naqueles publicados no Brasil no passado, hoje todos esgotados e fora do comércio, impossíveis de serem encontrados: livros póstumos de um autor vivo. De fato, desde os anos ’80 nenhum título meu freqüentou as livrarias brasileiras.
Além disso, acho que já está na hora que também o Brasil tenha os seus escritores “mundializados”, não é? E não apenas traduzidos no exterior, com obras sérias ou com banalidades esotéricas que são mais facilmente mercantilizadas, mas realmente inseridos em um horizonte cultural e lingüístico mais amplo e diversificado. A sensibilidade que exprimo nos meus livros hoje é a mesma dos leitores brasileiros, que não são uma “tribo isolada” mas estão em sintonia com as transformações no mundo, e mais, aspiram legitimamente a participar deste novo mundo como protagonistas. A minha literatura hoje é uma ponte interessante entre estes dois imensos espaços em crescente comunicação. Tenho a certeza de que os brasileiros, conhecendo os meus livros, descobrirão muitos aspectos novos e surpreendentes deles mesmos, e verão finalmente revelados alguns dos nossos “cantos escuros” sob esta nova luz.