R.P.8. El juego del gobierno

Da Sabe quem dançou?, Rio De Janeiro, Codecri, 1978

 

EL  JUEGO  DEL  GOBIERNO

Um tiro rugiu na mata densa. O corpo tombado não era o de uma onça, nem o de Schultz, o contrabandista. Os soldados da fronteira haviam penetrado em chumbo Ramón, el compañero, o último da tropa de Cienfuegos. O céu se cobria de musgo, na quebra do dia final da sétima década.
Era a primeiras vez que Dolores tinha ouvido a palavra “celulite”, em comentário desdenhoso da mulher de um coronel. Mas para o próprio coronel, sabia ela, nenhuma diferença faria seus furinhos na noite de passagem, regada a scotch e champanha, entre as portas fechadas e paredes da pizzaria de José Carlos, el brasileño da Calle Tropical.
Dolores espancou duas vezes o radinho de pilha japonês contra o fogareiro. Um bolero metálico impregnou o casebre da lembrança nua de Ramón, segundo dizem, embrenhado pelas selvas, camarada de mosquitos. A meia-calça preta subiu apertada pelas coxas e se atochou no rego. O pente escorregou retilíneo pelos fios negros até quase a linha da cintura. O umbigo solto entre a miniblusa e a minissaia foi cuidadosamente umidecido por água-de-colônia. Sapatos puxados a fórceps. O rádio amordaçou o aconchego da voz de Roberto Carlos para pedir ao povo que se abstivesse de coisas nunca tidas. A porta se trancou por fora antes mesmo que as seringueiras engolissem do sol seus últimos raios.
Uma tira longa de pano pardo fez um nó no pescoço de Ramón, outra foi atada em seus tornozelos, e içado o corpo entre dois fardados, deu-se início à caminhada de volta. Poucas hodas depois, uma canoa de casca recebia em seu centro o fardo amarelecido. Nas extremidades o coronel e seus comandados atravessavam o rio, contando histórias brutas sobre coitos con negritas entre um e outro gole de cachaça. O barco delsizava pelo escuro. O coronel teria tempo de se barbear.
José Carlos passou a tranca nas duas portas. Deixou na calçada, de vigília, um tipo índio e grandalhão. A cantina estava repleta. Os coturnos se arrastavam pela pista enquanto as doses voavam. Dolores indagava a um colega se o próprio José Carlos pagaria pela manhã ou se teriam que ficar fazendo fila nos corredores do Ministério. Perguntava por perguntar, pois sabia de sobra que as mulheres generosas eram as únicas funcionárias pagas em sia pela República. Não havia Alto Comando que bao temesse uma greve de joelhos colados.
Da música às moscas, tudo se fez silêncio, quando o índio abriu a porta e deixou entrar uma grande notícia, encarnada no pouco mais de metro e meio do coronel, seu sorriso, sua calva e seus punhos erguidos. Voltou muito antes do esperado, e do esperado disse apenas que a Nação estava em paz. – Falta uma bala no cinto de um dos meus, – ele berrou – e seu novo portador está guardado do Quartel do 2° Regimento. El hombre és Ramón. Às sete da manhã do novo ano, um cento de minhocas estará penetrando no seu cu.
Dolores aspirou fundo o ar fedido das cigarrilhas. Atirou para o alto os seus sapatos, e correu descabelada pela pista de dança, aàprocura da saída. O braço peludo de José Carlos estrangulou sua cintura e trouxe-a de volta para a mesa. –  Hoje não verás teu morto – disse ele – hoje és mulher do coronel. E dito isso afastou-se, sem saber que dos lábios de Dolores duas flechas passaram, entre as garrafas. – Hijo de una puta! Gringo de mierda!
As fatias de pizza foram igualmente distribuídas entre os presentes. As garrafas de champanha aguardavam em seus baldes a ereção completa dos ponteiros. No canto do salão, próximo à cozinha, já se via a bunda branquela do tenente Galhardo, fosforecendo na luz negra. Os demais foram se despindo, lentamente. Uma das ,aos desabotoava a gandola. A outra entulhava pela goela grandes pedaços de pizza, José Carlos trazia pelo braço o exultante coronel na direção de Dolores.
A mulher alisou com os dedos suas mechas, e com as costas das mãos enxugou uma lágrima, no canto esquero. Sorriu para o coronel, estático e em posição de sentido, segurou sua cabeça por ambas as orelhas e deu um gostoso beijo em sua boca. Poucos perceberam, atentos, que estavam no minuto em que encerrava a década. Dolores desatou-lhe o cinto, arriou suas calças por sobre as botas e lambeu-lhe o ventre. O coronel sentiu cócegas e xingou maciamente. O carrilhão soou a melodia da meia-noite. Dolores abriu os colchetes da cueca de cambraia. Os homens gritavam e se abraçavam. Ela arrastou sua lingua pela virilha do militar e encaixou seus culhões entre as bochechas. Ao espocar a primeira rolha de champanha, o coronel teve seus bagos arrancados pelos fortes e brancos dentes da mestiça.