R.P.9. A posição – La posizione
Da Sabe quem dançou?, Rio De Janeiro, Codecri, 1978
A POSIÇÃO
Meu amigo Pedro morreu de cabeça para baixo, como uma galinha ou uma fruta madura.
Seus pés estavam amarrados por uma corda grossa, que se prendia a um gancho no teto. Suas mãos estavam atadas e quase tocavam o soalho.
Pedro estava nu, e seu corpo longo e nobre parecia uma estátua de um prédio em demolição.
Vez por outra Pedro era balançado como um pêndulo, a marcar ele mesmo seus segundos de agonia.
Sua cara estava vermelha.
Seus pés estavam brancos.
A dor começou nas pernas, e foi tomando a coluna e a cabeça como se fosse uma água que escorresse.
O chão se aproximava na medida em que as vértebras se afastavam umas das outras.
Enquanto pendia, Pedro só conseguia pensar
que sua mulher, sua mãe e seus filhos estariam vomitando desespero àquela hora.
que foi bom que eu não estivesse ao lado dele quando tudo aconteceu.
que havia a lei da gravidade.
que talvez ela fosse a única.
que ele precisava de uma ambulância e de um médico.
que ele não tinha instituto.
que ele seria notícia em todos os jornais do dia seguinte.
que ele não seria notícia em jornal algum.
que ele gostaria de ser um elástico.
que ele gostaria de não ser.
que ele talvez não fosse mais.
que há meses estava naquela posição.
que talvez alguém pintasse ou escrevesse tudo aquilo.
que lá fora chovia.
que não adianta represar os rios, se não se pode parar a chuva.
Isso eram pensamentos que se justapunham na cabeça de Pedro, como automóveis em um grande engarrafamento. Mas Pedro não sabia
que sua mãe havia morrido na noite anterior.
que lá fora era sol quente.
que fazia pouco mais de doze horas que estava naquela posição.
que jamais sairia vivo daquela posição.
que ninguém sabia onde ele estava.
que no fundo, todos sabiam onde ele estava.
que seus pés já estavam podres, por falta de circulação.
que seu pênis estava ereto, com o sangue concentrado.
que era o dia da partida final do Campeonato.
que todos torciam pelo seu time.
que eu escreveria esta história
que ele fedia como um porco selvagem.
que um de seus olhos havia saltado da órbita.
que tudo não passaria de suicídio por remorso.
que seu sangue sofreria o mesmo milagre dos pães.
Alguém sugeriu que se amarrasse um paralelepípedo na cabeça de Pedro. Um paralelepípedo é um cubo de granito. Granito é uma matéria de outra densidade da que estava pendurada. E outro alguém pensou em jogar água para que o homem acordasse. A água, de densidade oposta à do granito, foi lembrada por ser de temperatura mais amena. E outro mais advertiu que o homem estava morrendo, e que não havia interesse nenhum na sua morte. Da morte desconheço mais que tudo a densidade, temperatura ou volume.
Há meia hora Pedro havia parado de escutar as vozes. A saliva cremosa que escorria de sua boca encontrava as raízes dos cabelos.
Sua cara estava roxa.
Seus pés estavam roxos.
Os homens então tomaram ciência de que ele estava mesmo morrendo. Um deles subiu numa escada, segurando o corpo de Pedro pela cintura, e virou-o repentinamente para a posição normal.
Foi quando a cabeça de meu amigo Pedro explodiu como uma bomba.
Ou
foi quando meu amigo Pedro reuniu suas últimas forças para cuspir bem no meio daquela cara inexperssiva que o fitava.
Ou
foi o tempo que sobrou para que o meu amigo Pedro perguntasse a quem pudesse ouvir sua débil voz: “Será que vocês têm filhos?”
Ou
foi quando o seu cérebro esvaiu junto com o sangue uma última e muda idéia, de que findando ele ou todos os homens, tudo continuaria a ser muito relativo.
Ou
foi quando ele percebeu uma sensível melhora, e calou-se. Sem saber que metade de seu corpo já havia apodrecido. Sem imaginar a discreta espreita de todos os insetos.
Ou
foi quando ele sentiu-se desatado, e carregando as sobras de vida das suas mãos ao seu próprio pescoço, terminou o serviço que os homens deixaram incompleto. Assim era Pedro, acostumado à competência. E assim Pedro era, que nada deixava incompleto.
E nada deixou incompleto, pois o tempo é o melhor dos complementos.
Mesmo um tempo que morre de cabeça para baixo, como uma galinha ou uma fruta madura.
LA POSIZIONE
(traduzione di Alessandra Pescaglini)
Il mio amico Pedro è morto con la testa in giù, come una gallina o una frutta matura.
I suoi piedi erano annodati con una grossa corda, che penzolava da un gancio nel soffitto. Le sue mani erano legate e quasi toccavano il pavimento.
Pedro era nudo, e il suo corpo nudo e nobile sembrava una statua di un palazzo in demolizione.
Di quando in quando Pedro era spinto come un pendolo, marcando lui stesso i suoi secondi di agonia.
La sua faccia era rossa.
I suoi piedi erano bianchi.
Il dolore cominciò dalle gambe, e prese la colonna e la testa come se fosse acqua che scorre.
Il pavimento si avvicinava nella misura in cui le vertebre si allontanavano le une dalle altre.
Mentre pendolava, Pedro riusciva a pensare solo
che sua moglie, sua madre e i suoi figli in quel momento sono a vomitare disperazione.
che è stata una fortuna che non ero con lui quando è successo il fatto.
che esisteva la legge di gravità.
che forse era l’unica.
che avrebbe avuto bisogno di un’ambulanza o di un dottore.
che non aveva l’assicurazione medica.
che sarebbe stato la notizia di tutti i giornali del giorno dopo.
che invece non avrebbe fatto nessuna notizia.
che gli piacerebbe essere un elastico.
che gli piacerebbe non esistere.
che forse non era già più nessuno.
che erano mesi che era in quella posizione.
che forse qualcuno avrebbe scritto o dipinto tutto quello.
che fuori pioveva.
che non serve contenere i fiumi, se non si può fare smettere di piovere.
Questi erano i pensieri che si sovrapponevano nella testa di Pedro, come macchine nel traffico. Ma Pedro non sapeva
che sua mamma era morta durante la notte.
che fuori c’era il sole.
che erano poco più di dodici ore che era in quella posizione.
che non sarebbe mai uscito vivo da quella posizione.
che nessuno sapeva dove era.
che in fondo, tutti sapevano dove era.
che i suoi piedi già erano in cancrena, per mancanza di circolazione.
che il suo pene era eretto, con il sangue concentrato.
che era il giorno della partita di fine campionato.
che tutti facevano il tifo per la sua squadra.
che io avrei scritto questa storia.
che puzzava come un maiale.
che uno dei suoi occhi era saltato dall’orbita.
che sarebbe passato come suicidio per rimorso.
che il suo sangue avrebbe subìto lo stesso miracolo del pane.
Qualcuno suggerì che si legasse un parallelepipedo alla testa di Pedro. Un parallelepipedo è un cubo di granito. Il granito è una materia con un’altra densità rispetto a quella che pendeva. E un altro pensò di gettargli addosso dell’acqua perché si svegliasse. L’acqua, di densità opposta a quella del granito, è venuta in mente per essere di temperatura più amena. E un altro ancora avvertì che l’uomo stava per morire, e che non aveva nessun interesse nella sua morte. Della morte ignoro più di ogni altra cosa la densità, temperatura o volume.
Da mezz’ora Pedro aveva cessato di sentire le voci. La saliva cremosa che scorreva dalla sua bocca raggiungeva la radice dei capelli.
La sua faccia era viola.
I suoi piedi erano viola.
Gli uomini allora presero coscienza che stava davvero morendo. Uno di loro salì su una scala, prese il corpo di Pedro per la vita e lo girò repentinamente nella posizione normale.
Fu nel momento esatto in cui la testa del mio amico Pedro esplose come una bomba.
O
fu quando il mio amico Pedro riunì le sue ultime forze per sputare nel bel mezzo di quella faccia inespressiva che lo fissava
O
fu il tempo che rimase affinché il mio amico Pedro potesse domandare a chi sarebbe riuscito ad ascoltare la sua debole voce: “Avete figli voi?”
O
fu quando il suo cervello fece svanire insieme al sangue un’ultima e silenziosa idea: che avendo fine lui o tutti gli uomini, tutto sarebbe continuato a essere molto relativo.
O
fu quando percepì un notevole miglioramento e si azzittì. Senza sapere che metà del suo corpo era già in cancrena. Senza immaginare il discreto appostamento di tutti gli insetti.
O
fu quando si sentì slegato, e caricando il resto della vita dalle sue mani al collo, terminò il servizio che quegli altri avevano lasciato incompleto. Così era Pedro, gli piaceva la competenza. E così Pedro era, non lasciava nulla incompleto.
E nulla lasciò incompleto, poiché il tempo è il migliore dei complementi.
Anche se è un tempo che muore a testa in giù, come una gallina o una frutta matura.