Da Histórias de um novo tempo, inedito
O MÉTODO
Os três homens empurraram Regina escada abaixo e deixaram-na sozinha durante alguns minutos numa sala subterrânea, ou porão espaçoso. Das paredes negras e nuas brotavam manchas esverdeadas de limo. Os cantos do salão não eram atingidos pela débil luz central e pareciam esconder pequenas feras. Quatro colunas finas sustentavam o teto. Na mais próxima à lâmpada eram vistos alguns corpos nus desenhados, dois corações flechados e a frase “mamãe, eu te amo”.
Dos três homens que retornam, munidos de uma lanterna, um par de luvas de operário, uma caixa de madeira e uma corda, apenas um havia trocado palavras com Regina anteriormente. Exatamente o que parecia ser o mais velho, careca e de bigodes. Havia perguntado sua idade. Dezessete, disse a moça. Falou algumas obcenidades também, que ficaram sem resposta. Eles agora riem enquanto descem, e o bafo azedo de suor e pinga se mistura ao cheiro de mofo.
O careca tira a camisa, estende-a sobre o chão, senta-se sobre ela de pernas cruzadas e acende um cigarro. Um outro calça as luvas. O terceiro arrasta Regina para a coluna mais próxima e a amarra fortemente, sentada no chão. Retira do bolso uma estopa, que é empurrada entre seus dentes, e finaliza amordaçando-a com a perna de uma calça.
O careca então se ergue, aproxima-se da garota com o cigarro entre os dentes arreganhados, num ar de deboche, levanta seu vestido e retira lentamente sua calcinha, dizendo: “Fica quieta, sua putinha, que eu conheço uma baranga lá na zona que daria tudo para estar no seu lugar”. Os outros se estufam de rir. Os olhos de Regina mergulham sobre sua face lívida.
O velho se afasta. O das luvas abre a caixa de madeira e retira com cuidado uma cobra surucucu de dorso amarelo-escuro e aproximadamente um metro de comprimento. A cobra é suspensa como um troféu, para que todos a vissem bem e ovacionassem como bárbaros. O tal que a havia amarrado, sentou-se sobre sua perna direita e empurrou com pés e mãos a perna esquerda, abrindo um vão irreversível.
O das luvas sacode a surucucu, retorcendo-a e gritando: “Fica nervosinha, sua puta! Fica louca, sua viada! Espuma, seu demônio!” A cobra se enroscava e desenroscava com enorme rapidez, irritada, ou , talvez, amedrontada. As luvas estrangulavam seu corpo grosso como vela de sacristia. O ofídio vibrava elétrico.
Após a excitação, o animal foi deitado ao chão, entre as pernas de Regina, com a cabeça voltada para o oásis de pelos que circundava seu poço ainda virgem. Os dedos do homem se abriram e a cobra, solta, procurou passagem para a toca possível, onde pudesse ficar oculta de seu estrangulador.
Os longos dentes e a língua bifurcada do bicho, experimentando seu refúgio, provocaram a primeira ponta de dor. Quando a cabeça penetrou em sua metade, escorreu um filete de sangue que formou uma pequena poça na altura do joelho. A carne da moça tremia como um todo, o suor frio transformava sua pele numa superfície pegajosa. As escamas da surucucu lanhavam interna e externamente, pintando as coxas com manchas vermelhas. Só o tronco de cipó agora aparecia, como uma cauda histérica da própria Regina, oscilante como a do cão acariciado.
O das luvas segurou o ofídio pela ponta e empurrou-o para dentro, ajudando-o a se abrigar. A parte visível do imenso verme já estava coberta de um sangue grosso, adolescente. O homem levantou parcialmente a cobra e, colocando a mão por baixo, fez cócegas em seu ventre. Do meio do peito da menina saiu um grunhido fundo, um assobio, Regina gania seu suplício. A surucucu já desaparecera até o meio, e se acomodava entre os irmãos intestinos. A mordaça se tingia de sangue. O queixo pendia inerte, tocando as cordas. Os três homens gargalhavam suas doenças.