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saggio su Julio – Jacinto Rêgo de Almeida

A Literatura Europeia de Migração

A Europa está a rever-se cada dia que passa e há cerca de duas décadas que o continente se redescobre também de forma silenciosa através do olhar dos escritores migrantes que se exprimem no idioma dos países que adotaram. É uma literatura pouco conhecida em Portugal, escritores que subiram a montanha ou atravessaram o mar para, com um olhar virgem e penetrante, olhar a realidade de outro lado, a Europa hesitante entre o racismo e a necessidade, a rejeição e a integração, o narcisismo e a vergonha. Enfim, eles trazem um novo olhar sobre complexas questões da realidade europeia.

Turcos e curdos a escreverem e editarem em alemão na Alemanha, indianos e paquistaneses imigrantes em Inglaterra, argelinos e senegaleses em França (fora do contexto do que podemos denominar uma literatura pós-colonial), assim como escritores oriundos de uma centena de países a viverem em Itália, cuja inovação literária é estudada em universidades. A Itália, uma forte cultura de referência, entra pelo Mediterrâneo como uma ponte natural entre a Europa, a África e o Médio Oriente. Há milênios que o seu litoral recortado é uma aspiração para servir de lar a povos de várias regiões. A televisão mostra-nos com freqüência barcos a chegar à sua costa com emigrantes clandestinos.

Por outro lado, a Itália tem uma pequena história colonial, apenas no século XX (Libia, Somália e Etiópia), e não logrou obter nos antigos territórios sob sua administração uma influência cultural capaz de gerar uma literatura pós-colonial. É um país sem resíduos de colonização, sem “ressentimentos coloniais”. Em Itália não há, portanto, uma literatura fruto das relações metrópole-colônia nos moldes da obra de escritores como, por exemplo, V. S. Naipaul, Salman Rushdie, Amin Malouf, ou escritores de antigas colônias portuguesas nomeadamente de Cabo Verde, Angola e Moçambique. Antologias como L’Italiano degli altri – narratori e poeti in Itália e nel mondo e a grande antologia Nuovo planetario italiano, organizada por Armando Gnisci, da Universidade La Sapienza (de Roma), mostram a Italia comno um caso aa parte neste contexto europeu e a criatividade dos “novos italianos”.

Em Portugal há uma literatura de migração? Entre 2001 e 2009 realizou-se o Seminário dos Escritores Migrantes em Lucca, e no Centro Cultural Roman Fabrik, em Frankfurt, foi promovido o 1° Seminário Europeu da Literatura da Migração, de que pareciparam nomeadamente escritores de língua italiana – albaneses, alemães, brasileiros, iranianos, magrebinos, romenos e de outras nacionalidades. “Não há escritores da comunidade ucraniana, romena ou brasileira em Portugal?”. Os emigrantes em Portugal apenas se tornam personagens das nossas histórias, pensei ao ouvir a pergunta.

Julio Cesar Monteiro Martins (JCMM) é um estudioso desta realidade literária. Foi um dos fundadores do Partido Verde, no Brasil, foi editor e publica, desde 1976, livros de contos, romances, ensaios, além de obras adaptadas ao cinema brasileiro. Esteve em Portugal a convite do Instituto Camões, para encontros sobre criação literária. Nos anos 90 emigrou para Itália e desde 1997 é professor de língua portuguesa e tradução literária na Universidade de Pisa. Tem uma extensa obra publicada em italiano e integrou o volume Non siamo in vendita – voci contro il regime (Arcana/L’Unità, 2001), obra coletiva de que participaram Antônio Tabucchi, Bernardo Bertolucci e Dario Fo, entre outros. É editor da revista cultural on-line Sagarana, que tem divulgado muitos autores portugueses, e em 2011 foi publicado, sobre a sua obra, o ensaio Un maré così ampio: I racconti-in-romanzo di Julio Monteiro Martins, de Rosanna Morace (Libertà Edizioni, com o patrocínio da União Europeia).

Segundo JCMM, três questões podem ser analisadas relativamente aos escritores migrantes e suas obras. A primeira é a sua origem, muito diferente dos escritores e temas das obras da literatura pós-colonial das últimas décadas do século passado. Agora, temos alemães que escrevem na Itália ou em França, bósnios refugiados na Alemanha, iraquianos ou indianos na Itália. Trata-se de uma literatura com rasto global sem condicionamentos históricos do passado.

Outra questão diz respeito à difusão da obra: a literatura pós-colonial, largamente incorporada à cultura europeia, é editada por grandes editoras e dustribuída nas livrarias tradizionais, enquanto esta nova literatura usa sobretudo as novas tecnologias de informação, a internet, como principal veículo e é impressa em editoras de pequena dimensão.

Por fim, o meio literário está dividido entre não considerar devidamente esta corrente literária ou considerá-la uma vanguarda. É claro que no futuro será encontrado um território comum de reflexão, afirmou Julio Cesar.

Mas estes “novos” escritores têm em comum “a distância (que) se faz espessa, respiram o ar pela ferida: (e sabem que) viver é um preceito obrigatório”, como escreveu Pablo Neruda.

L'autore

Jacinto Rego de Almeida