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Sabe quem dançou?

Da Sabe quem dançou?, Rio De Janeiro, Codecri, 1978

SABE QUEM DANçOU?

foi numa manhã de vento sul que a malu pintou nas pedras pela primeira vez. malu era o maior barato. num é por falar, não, mas no nosso grupo só dava ratazana e sapatão, só barangada da pior, e quando a malu pintou, até o babu ficou de olho. eu nem me liguei, tava a fim de aproveitar o solzão pra alorar os pêlos. peguei a parafina. com o carrique e fiquei passando de leve. a malu foi se chegando pro meu lado e entrou numa de me ajudar a parafinar o cabelo. olhaí, alta loucura. aquelas duas lunetas mais verdes que o mar de itaúna me olhando assim, assim, morou? eu relaxei numa boa e fechei os olhos, ela começou a levar um som em inglês que eu num sacava. cara, era uma transa da gente se falar sem se falar que durou até o céu ficar pretão.
num sei porque, minha velha nesse dia tava a fim de encricrizar. me torrou o saco. ficou falando que eu matava aula por causa do surf, que eu ia ser um zé-ninguém, que surf era brinquedo, num era profissão, que ia conversar com papai e papai ia fazer num sei o quê, esses papos. perguntou depois o que eu pretendia ser na vida. falei que ia ser fiscal da natureza. como assim? ela perguntou. vou ficar o dia inteiro olhando o mar, as plantas, as aves, as ondas, e se acontecer alguma coisa diferente, aí eu te conto, falou?
tinha a patota do surf. gente fina. bebeto, lauro, carrique, babu (esse era a maior fera). renguitem e eu, o tôni. cinco e meia da matina a gente já tava de pé, com a prancha debaixo do braço, e se mandava lá pro arpoador ou pra praia do diabo. a turma sentava na pedra e ficava sacando a posição do vento. se era o noroeste ou o sudoeste, era a boa, lá mesmo a gente ficava. se era leste tinha que se dar um jeitinho de descolar carona até a barra de guará. se era sul, era dia morto e liqüidado, era dia de abrir a boca pra entrar mosca.
a malu, sempre che dava condição, ia me ver surfar. chegava muito doida de fumo e trazia uma bagana pra mim. maior barato a malu. eu nunca soube onde ela pintava depois que o sol sumia, mas também nunca quis saber. isso era transa dela, e eu tinha que morgar cedo mesmo pra madrugar na areia. a gente levava mil papos numa boa, e ela sacava às pampas das coisas, morou? uma vez o renguitem entrou numa de dar um beijo nela, curtindo de babaca, e ela cortou a do carinha na maior, sem muito bla-bla-bla. o malandro num se mancou e agarrou o braço dela. aí o sangue me subiu e eu fui dar uma porrada no renguitem. o babu e o bebeto entraram no meio, com uma conversa de deixa-pra-lá. o babu tava era querendo aparecer pra garota, que eu bem que saco a dele. o renguitem escapou por pouco, sacou? mas tudo bem, a gente acerta isso.

na quinta feira o bebeto me deu um toque pra passar o fim de semana na casa dele, em barra de guará. os pais deixaram o carro e a casa na maior confiança. isso é que é. me tocou também que o carro já estava cheião, pra que eu desse um jeito de ir por mim mesmo, na sexta-feira descolei uma carona com um primo babacão que eu tenho, meio tarado. que só fala em bundinha, num sei mais o quê, mas num come ninguém, cara. carreguei a prancha a pé, depois, uns cinco quilômetros. altas caminhadas. saquei o vento leste no ato. o pessoal devia estar pegando cada ondão, cada rainha…aumentei o passo pra cair logo de cabeça naquele mar. o mar era minha casa, onde eu moro de verdade, não aquele apartamento escroto do leblon.
maravilha, o babu montado na fibra era ferão mesmo. tinha dia que eu ficava sentado na praia aprendendo as manobras do babu na água. ele já disputou com o neco em saquarema, e só num levou por pouquinho. pô, também o neco vai todo ano ao havaí, com a nota que ele descola fazendo prancha.tava todo mundo lá, só num vi o bebeto e o lauro, dei um tempo na areia. esperando alguém voltar, e quando o carrique pintou dei um toque: – cadê o bebeto e o lauro? – o bebeto dançou num lance aí. – dançou como cara? fumo? – não, caiu de mau jeito na arrebentação e levou uma porrada da prancha na testa, morou? – onde é que tá agora? – sei lá, o lauro levou ele pra casa. – sangrando! – é. – por quê que num levou prum hospital? – a gente num manja dessas transas não, tôni.
fui até a padaria e telefonei pra casa do bebeto. a empregada atendeu e disse que ele foi dar ponto no hospital. – qual hospital? – peraí que a dona sílvia deixou o nome escrito aqui num papelzinho. peguei a chave da casa de guará do bebeto, guardei a prancha lá e gritei pro babu tomar conta da chave. peguei um ônibus e voltei pro leblon. pô, cara, qualé a do bebeto de moscar assim? mas é como diz o babu: “bobeatus sunt, enrabatus est”. é isso aí.
foi um saco descobrir o bebeto na emergência do hospital. primeiro que eu não sabia se o nome dele era alberto, roberto ou o quê. segundo que os caras da portaria tinham a maior má vontade de responder às perguntas. acabei achando o bebeto, já costurado, num ambulatório, sei lá. a mãe dele tava do lado. – olhaí, bebeto, soube do lance e dei um chega até aqui, – valeu, cara, mas tudo bem, – pensei que fosse… – moita, cara. – falou. cumé qui tá aí? – num deu pra quebrar a testa, não, o médico falou que foi superficial. vai ficar uma cicatriz feiona. – um charme meio brabo né cara? – charme é o cacete, pô. melhor como tava antes. – mas vai cortar muito a sua? – uns dez dias de repouso. – cabide de vez em quando é bom, cara. – valeu.
quando saímos do hospital já era noite. deu uma saudade descacetada da malu. mas eu num sabia muita coisa dela. sabia onde era o apê ela, que morava com a mãe, separada do pai, e mais o carinha da mãe dela, que ela dizia que era um cara maneiro. resolvi andar pelas bibocas perto do edifício dela, quem sabe? pô, foi no ato. dei de cara com ela num bar da montenegro. tava ela e duas outras gatinhas, só que num eram gatinhas, eram escrotas pra caramba, morou? dava até medo. acho que a malu nem ficou numa boa quando me viu. – que que há, tôni, pintando por aqui? – é, eu tava a fim de te ver hoje, o bebeto se machucou num lance com a prancha e eu passei o dia no hospital com ele, maior sufoco. – cumé que você descobriu onde eu tava? – por acaso. ué. – tá legal senta aí. olha, essa é rita e essa é lurdinha.– cumé que é, tudo legal?
a tal lurdinha era cocozona. tinha uma olheira preta, era enrugada e meio suja, meio porca. a outra nem se fala, era mil e um. tudo vazio de canino a canino, que a gengiva encolheu de tanto esfregar pó e cuspiu os quatro dentes inteirinhos, com raiz e tudo. caceta! eu senti que tinha cortado o papo delas, e que num tavam a fim de falar na minha frente. deu o maior branco em todo mundo. depois uma barangona perguntou pra malu se eu transava com ela. a malu ficou olhando nos olhos dela e num disse nada. a outra, a rita, falou que eu era bonitinho. tava apavorado no lance. senti o baixo astral e me levantei. a malu sacou que eu ia embora, levantou junto e foi comigo até a calçada. falou que eu não devia ter aparecido sem falar com ela antes. fiquei quieto, mas deu pra ver que eu tava puto. ela me deu um beijo, combinou para amanhã na praia e jogou um baseado no bolso da minha camisa.
fui pra casa, me tranquei no banheiro e queimei o fumo. queimar sozinho num é tão legal, num dá pra curtir muito. enchi a palma da mão de talco e soprei no ar. pra cortar o cheiro. tinha mais é que tomar cuidado mesmo, uma vez a velha sacou e veio me perguntar. tive que inventar uma história de incenso indiano e o cacete. mas acho que mesmo assim ela ficou desconfiada. deitei na cama então, botei um pink floyd no deck e curti aquele som desbundante até pegar no sono.

nunca vi tanta gente, meu irmão. só faltava nego estender a toalha na barriga do outro. pra andar na praia tinha que sair dando pulinho no meio da rapaziada que nem bailarino. foi fogo encontrar a malu. o mar tava pra lá de ruim, parecia um lagoão, morou? a malu foi logo me dizendo que precisava levar um papo comigo e que na praia nem ia ser legal, que toda hora o pessoal ia chegar, interromper, encher o saco. – tá legal, mas onde então? – vamos lá pro apartamento. – tua velha tá lá, ô cara… num acho uma boa. – tem grilo não, pô, você tem que conhecer a velha e o serginho. pessoal maneiríssimo. – mas a gente num vai ficar à vontade pra papear. – claro que vai. a gente fica no meu quarto, fecha a porta e tudo bem.
ela enfiou a chave, mas tinha outra do outro lado. apertou a campainha, uma vez curta, longa, curta. a mulher abriu um palmo de porta, olhou rápido e tirou a correntinha. – simone (ela num chamava a mãe de mãe). esse é o tôni, amigão aí. – prazer. fica à vontade, cara. quer tomar alguma coisa? – a senhora tem um copo d’água? – senhora? pelo amor de deus! se você me chamar de senhora de novo eu te jogo pela janela. – tá legal, você tem um copo d’água? – peraí que eu vou pegar.
ficamos sozinhos no quarto. perguntei pra malu o quê que ela queria falar, ela disse que nada não, era só pra saber se tava tudo bem. pra perguntar isso num precisava sair da praia, pô. perguntou se eu tava zangado. não, tudo bem. foi então até a mesa-de-cabeceira e pegou uma seda na gaveta. abriu uma caixa, espalhou o fumo e ficou apertando um charrão que podia rodar numa roda de dez. – tu quase num queima, é cara? – queimo muito não, tô fumando mais, depois que a gente tá transando. – quem foi que te aplicou? – qualé, malu? tá me achando com pinta de paru? eu já queimo fumo há mais de sei lá quantos anos. – que nada, tôni, tu é pato novo. e olha lá que pato novo num dá mergulho fundo. – tá de gozacão, é? – ih, ele ficou putinho… num fode, porra!
o baseado pegou fogo na ponta, ela sacudiu e ficou brasa. deu três pauzinhos fortes e entupiu a boca e o nariz com a palma da mão. me passou a coisinha e eu fui tentar fazer o que ela fez e me deu um acesso de tosse de eu ficar todo vermelho. puta que o pariu. tô fudido, agora é que ela vai me gozar o resto da vida. mas até que não, ela tava colocando um disco e nem se tocou com o lance. esmagou a brasa pra guardar a bagana pra depois, sentou do meu lado e deitou a cabeça na minha barriga. fiquei bem quieto. ela começou a me beijar no peito e enfiou a língua dentro do meu umbigo. aí me deu cócegas e eu morri de rir.
pô, meu irmão, depois que eu tava na rua é que eu saquei que tinha comido a malu dentro da casa dela. cacete! e com a mae dela lá. cara, mas aquela mulher é o diabo, levanta até condenado. maior viagem. onde é que ela aprendeu tudo isso? mas num dava pra reprimir, era trepar ou se jogar pela janela, como diz a mãe dela. que coisa! ela também, pô, deve ter tido o maior treinamento. e o pior é que num leva jeito.
eu acho que fui legal no lance. Dei-lhe uma surra de pica que ela ficou meio tonta. ela deve estar pensando que eu tenho a maior tarimba do troço. se ela soubesse que até ontem eu só tinha comido empregadinha, morou? igual o caso da marilda, que era só a coroada se mandar pra batalha, que eu ia pra cozinha, me encostava na bunda dela e ela num falava nada, só levantava o avental e pá. mas eu tinha o maior cagaço de chegar alguém. um dia abriram de repente a porta da sala e eu levantei a calça e fui fechar o fechecler depressa, com o pau do lado de fora e, uuuui! foi uma dor filha da puta e sangue pra todo lado. o raio da marilda correu pro banheiro dela e eu fiquei na cozinha correndo em círculo igual uma barata, com as duas mãos no saco e urrando pra diabo. a velha correu: que foi? que foi? eu só fazia uuuuh! uuuuh! nada, nada, uuuuh! maninho, o pau inchou, ficou redondo que nem bola de tênis, e eu entrei numa que ele ia cair, horrorzão. num gosto nem de lembrar.
aí passou. a marilda veio me tocar que tava grávida e o iscamba. eu queria perguntar se era meu, mas pensei que ela ia dizer que era, mesmo se num fosse e fiquei na moita, ela pediu uma nota pra tirar o neném. pô, cara, se eu tivesse, eu dava. mas nego mais duro que eu num existe, e eu falei pra ela. ela chiou, falou que ia dedurar pros velhos, falou até que ia casar, aí, veja só, eu sou menor… casar nada, eu vou é te dar porrada se você cagüetar. ela chorou, fez a maior manha, falou que me amava, que andava com um retrato três por quatro meu na carteira dela, que tinha achado numa gaveta. aí eu falei assim: num quero nem saber, morou? ela ficou chorando lá uma pá de tempo. varrendo e chorando, lavando e chorando. espanando e chorando. mijando e chorando. e eu cagando e andando. uma vez cheguei da praia e ela num tava mais, mandaram embora, que sumiu um troço, besteira, dois cruzeiros, três, sei lá, e ela nunca mais que pintou no meu caminho.
mas a malu é outro lance, gente fina é outra coisa. como diz o velho do issás, pobre quando num tá fedendo por falta de banho, tá com perfume que é uma merda. malu tem nível, alto nível. tenho que me cuidar é pra num fissurar, morou? pra num criar dependência, ficar na dela de inteiro, porque se ela me chutar eu vou ficar numa pior tão fudida, meu nego, que nem dez quilos de pó vai dar pra me agitar. num posso cair na dela não. se ela me caga na cabeça, vou ficar caçando minhoca no asfalto com picareta de borracha. e, meu chefinho, esse olho é irmão desse.

– entra, tôni, a malu tá lá no quarto. – falou. – é o tôni que taí, simone? – sou eu sim. – ah, gatão, que bom que você pintou. eu tava te esperando. – pra quê? – sei lá, ué. te esperando, num pode? – tudo bem. – olha só que barato o som do led zeppelin que a simone me trouxe. – tua velha é maneirona mesmo, né? – às pampas… – ô malu, num tá pintando uma coisinha, não? – seguinte, eu tô de careta hoje, aliás desde ontem, e tô sem nota também, mas o serginho tem. você podia ir lá e dar um toque nele… – eu? – é, que que tem? – mas, pô, o cara transa com tua mãe, mora na tua casa, é teu chapa, cumé que eu é que vou lá agitar o lance com ele? – mas, tôni, é que a minha barra anda meio suja pro lado dele. outro dia eu fui pedir um baseado e ele me cortou, que ele tava ruim de nota e num dava pra alimentar o lance. agora, se você for pedir, duvido que ele negue. – mas eu nunca vi o carinha… – eu vou contigo até lá.
ela bateu na porta do quarto. eu tava brancão. o cara gritou: – entra! malu entrou. – serginho, esse é o tôni, chapão aí da gente. – tô sabendo, a simone já me falou dele. – pois é, ele quer te falar um troço. eu vou esquentar um café. – pode falar, cara.
que raiva, meu irmão, que eu tava dela. pô, eu num podia pedir prum cara que eu num conhecia que ele me agitasse, nem que fosse uma baga. a sacana num podia me deixar numa dessa e sair na maior. nunca fiquei tão desbundado. o cara era garotão e tudo, mas eu nunca tinha levado papo nenhum com ele, e tava arriscado a levar um fora pra valer, fiquei meio suando frio, desmanchando os cachos do cabelo, de tanta agonia.
– pode falar, cara. – né nada não, besteira da malu. – qualé, meu irmão? aqui num tem essa não, desembucha, pô. – nada, é que eu tava a fim de levar um papo com você, que ela falou que você era um cara legal e… – você entrou aqui pra me conhecer? – é isso aí. – é isso o caralho! eu num sou artista de novela nem nada. cara, seu lance é outro, que eu num nasci ontem. – mas é isso aí, cara. – é isso o quê? peraí, que eu tô sacando… tu tá a fim dum baseado, é isso aí? – é isso também. – tudo bem, cara, num precisa ficar enrolado não, leva essa matuca de cinqüenta que depois a gente acerta. – falou. valeu mesmo. – mete bronca, maninho. fui pro quarto. a malu veio toda se abrindo, com um copo de café. – descolou? – porra, malu, cumé que você me dá uma dessa? – qualé, tôni. eu num falei que o serginho era um cara legal? taí ó. – sacanagem tua… – gatão, fica puto não, gatão. – agora cumé que fica? – fica que a gente vai apertar e queimar nosso fuminho numa boa e num fica me azucrinando não que eu dou uma mordida na sua bunda. – tu é foda mesmo…

duas semanas sem pintar na praia. o pessoal devia estar pensando que eu morri, sei lá. passei no surf shop pra ver as pranchonas que tinham chegado e encontrei o babu lá. – sumiu, tôni? – nada, babu, tem pintado uns lances aí… – lance teu eu sei qualé. é aquela barangona que tava pintando na praia e agora tu vive grudado no rabo dela. – pô, cara, tô te estranhando. – olha, eu num tenho nada com isso, mas aquela nega é manjadona aí pelo pessoal, e tem brabeza em cima… – tu tá enganado, babu, eu tô em outra, cara. – enganado tá você, e há muito tempo, morou? – pô, babu, esse papo teu tá cortando nossa amizade. – tô levando esse papo porque sou teu amigão. senão eu num falava nada, e se você tá entrando numa, eu quero que você se foda. – pô, tu tá é me agredindo de graça. – olha cara, te digo só uma coisa, guarda bem, é o seguinte: moscou… dançou. maior decepção com o babu. pô, qualé essa de querer me dar lição de moral na frente de todo mundo? nego tava até rindo de mim lá, porra. o babu vive é querendo aparecer, se mostrar pros babacas que passam o tempo todo chupando o dedão do pé dele. acho que ele tá puto comigo, mas num dá pra sacar é o motivo, só se o filho da puta do renguitem andou botando minhoca na cabeça dele, de ciúme da malu: aquele papo que tia branquinha falava, quando eu era pivetinho, da raposa e das uvas, que maluco num alcança e sai dizendo que tão verdes. mas pra cima de mim não. e a minha barra fica suja com eles e a deles comigo e é isso aí. que vai fazer?
– oi, simone. – oi, tôni, tudo bem? – hum, hum. – dá um pulo até lá dentro que a malu quer levar uma conversa com você. – comigo? – é, vai lá. – posso ir no banheiro antes? – eu, hein? precisa agora de permissão pra mijar?
que que a malu quer falar comigo, cacete ? será que a velha dela descobriu que a gente transa? não, isso é babaquice minha, que a simone já sabe disso há uma pá de tempo. só num fala na minha frente que é pra num dar bandeira, sei lá, tô sentindo um baixo astral aqui, e eu num queria que pintasse grilo com o pessoal da malu… gente boa, que me dá a maior guarita. (acaba de mijar logo, ô puto) gente muito fina, de cabeça feitona…
– a simone falou que parece que pintou uma sujeira aí. – num se grila não, gatão, é onda dela. – não, fala, malu, que agora eu quero saber. – sabe o que é ? tu tá devendo já oitocentas notas pro serginho, de fumo que ele tem te arrumado. – pô, é isso? – é, só isso. você acerta com ele, que ele tá durão, numa pior incrível, e tudo bem. – é, mas também tô duro. – descola uma nota lá com os teus velhos. – o quê? só se eu assaltar a coroa à mão armada, morou? os velhos num tão querendo me ver nem pintado de ouro. – então sei lá, tôni. dá um jeito. – que jeito? – sei lá, transa um troço teu aí. – troço meu? que que eu tenho meu? só o deck de som e a prancha, mais nada. – olha, tôni, vamos cortar esse papo, que já tá qualquer coisa. isso depois você pensa sozinho, que eu tô morrendo de tesão. pô, mas eu num queria que pintasse grilo por… – gatão, a camisa você mesmo tem que tirar por cima, que eu num dou altura.

o pior é que vender o deck de som num dá, que os meus velhos vão dar por falta, ficar perguntando, querendo saber detalhes, e aí vai pintar sujeira, a prancha, pelo menos, eu posso dizer que emprestei a um amigo, além disso eles vão levantar as mãos pro céu de num ver mais aquela prancha em casa, que eles têm a maior bronca de eu fazer surf. mas vai doer. meu maninho,vaidoer pra caralho eu me desfazer daquela fibra, e além disso eu num sei vender, nunca vendi nada, já tô sentindo o sufocão.
– é o seguinte, cara, aqui a gente só transa prancha de primeira mão. – tô sabendo, mas vocês devem sacar algum cara que esteja a fim de comprar mais barato. – olha, eu vou quebrar teu galho, mas é bom você ficar sabendo que num é interesse pra gente transar essa, que o cara compra de você e acaba num comprando da gente. – pô, eu saco; mas é que eu tô numa pior, precisando descolar essa nota hoje. – peraí, que eu vou telefonar.
que troço sinistro! que merda! essa prancha vale, na menor, duas milhas, essa nota tem que pintar logo, senão eu atolo a cabeça aqui no balcão mesmo. é o seguinte, eu fico puto nas calças. esses caras na hora de vender levam um papo super legal, mas se é um lance deles soltarem a grana, fica tudo macambúzio.
– olhaí, o cara dá quatrocentos paus. – assim num dá, meu irmão. isso vale dois mil no mínimo, qualé? – é isso aí, tôni, se estiver a fim, pega lá o fone e resolve você mesmo, que já me saturou. – quebra o galho, pede lá oitocentos pra ele. – oitocentos? – é. – peraí.
que situação escrota! quatrocentos só se for na bundinha da mãe dele, morou? que eu num tô aqui pra botar quetichupe no amburger do malandro. – tôni, é quinhentos no pega ou larga. – setecentos. – porra! – tá legal, quinhentos. – falou, toma aqui a nota, que depois ele me dá, e pode deixar a prancha ali no canto, do lado da vitrina, tá legal? – e se eu disser que num tá? – aí eu vou achar que você é um babacão chato, sacou?
– malu, seguinte: só deu pra descolar essa notinha azulzinha de quinhentinhos aqui. – ih, tôni, isso num é problema meu não. entrega lá pro serginho. – eu deixo com você, você entrega. – nada disso, eu num sei se ele vai aceitar só uma parte… – porra, eu tive que vender a merda da prancha pra dar pra ele esse pedacinho de papel com essas carinhas estúpidas desenhadas aqui. – eu sei, cara, que foi chato procê, mas falta ainda trezentos, né? – tá legal, eu vou vender o olho, o cérebro, sei lá, pra pagar o seu serginho. – gatão, você tá me agredindo por quê? agride lá a ele, que vai ficar com a nota. – ó, num quero saber. a nota vai ficar aqui nessa cadeira. você vai entregar, que eu num quero saber de papo.
acho muita sacanagem dele se ele num aceitar só os quinhentos, pô, o cara vive dizendo que num tem nota. quem num tem sou eu, que vivo dependendo da veneta do velho. se ele acorda mostrando a dentadura, se ele meteu direitinho na velha durante a noite, aí solta uma graninha, mas se levanta com o cu virado pro inferno, que é quase todo dia, neca de nota, e se pedir ainda leva , esporro.
– tôni, posso pedir um favorzinho procê? – claro, simone. – sabe o que é? dá procê levar este embrulho na casa de uma amiga, quando sair daqui? – onde é? – aqui pertinho, na lagoa.  é que a pessoa que vai receber me telefonou que num vai poder sair de casa hoje. – tá legal. me dá que eu levo depois. – não, na saída você apanha comigo, tá? – falou. – ah, serginho deixou um negócio procê. – pra mim? – é, tá lá na primeira gaveta do armário dele. pode apanhar. ele mandou dizer que é presente. – pô, legal. – ah, e mandou dizer também procê esquecer os trezentos que faltam, que tá tudo bem. valeu mesmo.
queria saber qualé essa do serginho deixar fumo de presente pra mim. quantas amabilidades… he, he. acho que ele sentiu que eu diquei ressabiado dele cobrar os trezentos e agora tá a fim de me comprar… bom, deixa ver se o número é esse mesmo. 1102, é isso aí. pô, num tem nem campainha e tá um sonzão brabo lá dentro, vou ter que esmurrar essa porta. me pedem cada favor besta…
– que é que você quer? – é da parte da simone, que pediu pra eu trazer essa encomenda. – e precisava botar a porta abaixo? – desculpa, mas é que a música tava tocando alto e eu achei que ninguém ia ouvir. – falou, tá entregue, pode ir embora. – valeu.
cara grosso filho de uma égua. pensa que eu sou o quê? empregadinho? office boy? mendigo pedindo pão velho? quase que eu falei pra ele: olha, cara, tô te fazendo um favor, viu? não acostuma não. e vai gritar no suvaco das suas negas, ô extrato de pó de merda.

bastou eu dizer pra simone que num queria mais levar aquelas trouxinhas de fumo, que eu agora sei que é fumo ou pó, pra ela amarrar a cara pra mim. como se eu tivesse a maior obrigação. cansei de falar pra malu que o meu saco tava cheio do troço. ela só responde a mesma coisa: tá me agredindo por quê? tá me agredindo por quê? pô, será que ela num entende que eu num tô agredindo ninguém? só num tô mais nessa, de ficar me arriscando com os baratos no meio da rua pra cá e pra lá a troco de uma mutuca de cinqüenta e guarita no apê. já tô uma pá de tempo nesse lance e tô mais é a fim de descolar uma melhor. escravidão já era, morou?
e tem mais essa de quebra, num foi uma vez nem duas vezes que me tocaram da malu com o pivete dum bugre amarelo tomando chopinho no nictheroy. o garotão eu manjo de outras bandas, e podes crer que o pinta é babaca, mas é tão babaca, que se puxar a descarga de mau jeito ele vai junto. e o cara fissurar na malu, isso dá pra sacar, que cabritinha que nem ela num se acha em qualquer pasto, não. mas o que num se entende é a malu embarcar no muquirana. só se a sacaninha tá a fim de se motorizar. tá a fim do bugrinho e da notinha que o xurreado pode descolar. soube que o cara só descola de quina pra cima. além das brizolas, o zé mané é estribadão. e logo a malu que dizia num se ligar nesses papos… olhaí, quem diria, maninho. mas eu tô mais é me convencendo que toda gatinha, por mais feitona que pareça a cabeça, no fundo é maria–gasolina como todo mundo. eu dou um toque na boa, e ela só me vem de gueri-gueri. é isso que me deixa injuriado. o carinha tá sendo mamado na maior e nem no sonho ele se toca. mas, tudo bem, que se é pra aprontar auê, melhor chutar logo que ser colocado na marca do pênalti. é o seguinte…
– ó toni, o seu negócio tá alí em cima. – tô a fim não, simone. – como assim? – eu tava pra te falar. a gente vai ter que transar o negócio diferente. – diferente como? – olha, é chato eu falar… você tem sido tão legal comigo e tudo, mas só uma de cinqüenta num dá mais, que mês que vem eu faço dezoito anos e aí  já vou ser maior de idade, quer dizer, se os homens me arrocham, se os samangos descobrem as transações, eu danço e num dá pra ninguém ir lá me soltar. você sabe, menor eles ainda maneram, mas passou dos dezoito a porrada come solta, pega prisão e o escambau. – tá legal, eu dobro pra cem. – quero dez por cento. – como? você ficou maluco? dez por cento pra carregar um embrulhinho dois quarteirões? – pra ser o traficante, você quer dizer, o vapozeiro, que em caso de arrocho leva a trolha maior. se eu dançar você vai limpar a minha barra? num vai, né? então é dez por cento, e tudo pesadinho na balança. – nada feito. dez por cento nem brincando. – nada feito? então tá. num se fala mais. fim de papo. – peraí. peraí. você já falou com a malu sobre isso? – olha, é o seguinte, eu já tô de saco cheio da sua filha, simone, por uma pá de coisas, e principalmente porque há mais de um mês que eu tô sacando como e porque vocês começaram a me transar, quando lembro, chega a dar nojo, que foi tudo pensado, calculado… – bom, já que é assim, então saiba que seus serviços estão dispensados, que a malu já está transando outro babacão pra botar no seu lugar. você já está crescidinho e num serve mais, sacou? – tô sabendo. agora, simone, presta atenção: eu vou trabalhar sozinho, por minha conta, que eu já sei todos os pontos e tudo, e corta de botar o serginho no meu rumo que eu sei o nome inteiro de cada um de vocês e dou parte no ato pra quem gosta de saber dessas coisas, e algumas das pessoas que eu falo já são meus chapinhas do coração. daí, já sacou, né? amarra bem o teu bode. tchau procês, tá falado? caceta!

L'autore

Julio Monteiro Martins

Julio Monteiro Martins è nato nel 1955 a Niterói, Brasile. “Honorary Fellow in Writing” presso l’Università di Iowa, Stati Uniti, ha insegnato Scrittura Creativa al Goddard College, nel Vermont (1979-82), l’Oficina Literária Afrânio Coutinho, Rio de Janeiro (1982-91), l’Instituto Camões, Lisbona (1994), la Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (1995), e tra il 1996 e il 2000 ha tenuto corsi in diverse città della Toscana. E’ stato uno dei fondatori del Partito Verde brasiliano e del movimento ambientalista “Os Verdes”. Avvocato dei diritti umani a Rio de Janeiro, è stato responsabile dell’incolumità dei meninos de rua. Nel paese d’origine ha pubblicato nove libri tra raccolte di racconti, romanzi e saggi, tra cui Torpalium (Ática, São Paulo 1977), Sabe quem dançou? (Codecri, Rio 1978), A oeste de nada (Civilização Brasileira, Rio 1981) e O espaço imaginário (Anima, Rio 1987). In Italia Il percorso dell’idea (petits poèmes en prose, con foto originali di Enzo Cei, Vivaldi & Baldecchi, Pontedera 1998), le raccolte di racconti Racconti italiani (Besa, Lecce 2000),La passione del vuoto (Besa, Lecce 2003), madrelingua (Besa, Lecce 2005),L’amore scritto (Besa, Lecce, 2008) e L’irruzione, racconto incluso nell’antologia Non siamo in vendita – Voci contro il regime (a cura di Stefania Scateni e Beppe Sebaste, prefazione di Furio Colombo, Arcana Libri / L’Unità, Roma 2002). Le sue poesie sono state pubblicate su varie riviste, fra cui il quadrimestrale di poesia internazionale “Pagine” e la rivista online “El Ghibli”, e nelle antologie i confini del verso. Poesia della migrazione in italiano (Firenze, Le Lettere 2006) e A New Map: the Poetry of Migrant Writers in Italy (Los Angeles, Green Integer 2006). È stato ideatore dell’evento “Scrivere Oltre le Mura”. Attualmente vive in Toscana dove, oltre a insegnare Lingua Portoghese e Traduzione Letteraria presso l’Università degli Studi di Pisa, dirige e insegna nel Laboratorio di Narrativa, che è parte del Master della Scuola Sagarana, a Lucca, ed è direttore della rivista letteraria on-line “Sagarana”. Nel 2011 è stata pubblicata la monografia sulla sua opera Un mare così ampio: I racconti-in-romanzo di Julio Monteiro Martins, di Rosanna Morace, per la Libertà edizioni, di Lucca. Nel dicembre 2013 è stata pubblicata la sua raccolta poetica “La grazia di casa mia” (Milano, Rediviva).